Regular as redes sociais: entre o caos e a liberdade de expressão

Na próxima quarta-feira o Parlamento Europeu vai debater a regulação das redes sociais. Os eurodeputados Paulo Rangel e Isabel Santos defendem a criação de uma entidade independente que regule o conteúdo das plataformas.

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Reuters/DADO RUVIC

Aquelas imagens de centenas de pessoas indignadas a trepar paredes, a pilhar tudo o que aparecia à frente e a entoar cânticos enfurecidos no meio do caos, correram o mundo. A invasão do Capitólio, sede do poder legislativo norte-americano, a 6 de Janeiro, por apoiantes de Trump, foi um assalto à democracia americana. Um ataque que não foi planeado numa qualquer cave obscura: foi antes organizado no espaço público das redes sociais.

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Aquelas imagens de centenas de pessoas indignadas a trepar paredes, a pilhar tudo o que aparecia à frente e a entoar cânticos enfurecidos no meio do caos, correram o mundo. A invasão do Capitólio, sede do poder legislativo norte-americano, a 6 de Janeiro, por apoiantes de Trump, foi um assalto à democracia americana. Um ataque que não foi planeado numa qualquer cave obscura: foi antes organizado no espaço público das redes sociais.

O momento, classificado pelo comissário europeu para o mercado interno, Thierry Breton, como o “11 de Setembro das redes sociais”, voltou a lançar a discussão sobre a regulação daqueles espaços. Uma discussão que subiu de tom dois dias depois do ataque ao Capitólio, quando o Twitter baniu a conta de Donald Trump, uma decisão contestada por Angela Merkel. Ao debate sobre a falta de regulação, juntou-se a crítica à censura e a defesa da liberdade de expressão. A discussão vai passar agora para o Parlamento Europeu, onde, na quarta-feira, se discute o “equilíbrio entre o escrutínio democrático e direitos fundamentais nas redes sociais”.

“O que está em causa é que temos de proteger a democracia europeia, o que significa proteger a liberdade de imprensa, o pluralismo dos média, combater a desinformação e o discurso de ódio e proteger as democracias de interferências externas”, explica ao PÚBLICO Paulo Rangel, eurodeputado do PSD, antevendo a discussão num resumo que demonstra a complexidade do assunto.

Numa tentativa de organização, Paulo Rangel divide uma parte da questão num “bloco político institucional”, referente à propaganda, ao financiamento partidário – “podem os partidos injectar dinheiro para arranjar seguidores?” - e à interferência nos processos eleitorais por países externos. A outra dimensão tem que ver com o discurso de ódio e “toda a desinformação”, independentemente de ter propósitos políticos ou comerciais – “como o caso das campanhas anti-vacinas” contra a covid-19.

Em suma: “Todos os instrumentos que nós tínhamos estavam pensados para outro mundo, que não era o mundo digital”, afirma Rangel, realçando os riscos de uma democracia directa, uma possibilidade criada pela sociedade digital. “Temos de voltar a ter organismos de regulação e mediação.”

A discussão é sempre um “fio da navalha”, como descreve a eurodeputada do PS Isabel Santos, que, apesar da sensibilidade do tema, diz que a regulação das plataformas tem de avançar: “A desregulação desaproveita a todos, desaproveita às plataformas e desaproveita sobretudo aos cidadãos, que estão mais desprotegidos”.

Para essa regulação, é necessário abranger dois níveis: há, por um lado, a “necessidade” de intervenção dos poderes públicos e, por outro lado, existe também a “obrigação das próprias plataformas de trabalharem com critérios mais transparentes que assegurem a protecção dos direitos, liberdades e garantias”. “O que é muito preocupante é que não há critérios claros de barragem de informação por parte das tecnologias, os critérios são uma nebulosa”, afirma a socialista, avançado com a possibilidade de existir um recurso para um utilizador excluído de uma rede social.

Para tal, defende Isabel Santos, é preciso a criação de uma entidade independente, que “monitorize a aplicação de toda a legislação que é criada”, porque tendo apenas a lei será “muito difícil ter uma efectiva aplicação da regulação”. Uma entidade que seja “verdadeiramente independente”, até para “impedir o abuso” dos “poderes autocráticos”. “É muito fácil barrar a desinformação quando não se permite a informação.”

Paulo Rangel também defende a criação de uma entidade “permanente”, com capacidade de “intervir no momento”, “altamente profissionalizada” e que dê “garantias de independência e imparcialidade”. “Acredito que essas decisões de banir alguém, por exemplo, não podem ficar entregues apenas às próprias plataformas”, afirma Rangel, assinalando, igualmente, o “problema de as redes sociais serem dominadas por monopolistas”.

No debate sobre a regulação das plataformas sociais, o social-democrata faz questão de frisar uma “questão fundamental”, relacionada com a cibersegurança e a “necessidade de regular a actuação política” nas redes sociais para travar a ingerência externa. É que, tal como é sabido, a geopolítica também passou para o campo de batalha virtual. “Aquela agitação que na Guerra Fria as superpotências faziam nos diferentes países cada uma apoiando o seu segmento, hoje é feita de forma muito sofisticada no meio digital”, diz, exemplificando: “Hoje sabe-se que 70 a 80% dos sites que se movimentaram no referendo catalão para a independência tinham a sua sede na Grande Moscovo”.

Depois do advento do início da internet, onde a utopia advogava a liberdade total daquele novo espaço, eis que o momento actual parece ser de viragem. A dificuldade é trilhar o caminho estreito entre a liberdade e a restrição. “O assunto é sensível, mas é preciso fazer alguma coisa. Não vamos resolver tudo, não há soluções perfeitas, como aliás nunca houve porque a liberdade tem um preço”, conclui Rangel.