Mutilação Genital Feminina: um flagelo mundial que a pandemia agravou
Muito tem sido feito, mas muito há para fazer, sobretudo nestes tempos de confinamento onde se agravam em silêncio as violações aos direitos humanos. Portugal tem aqui um papel a cumprir.
O tempo da inação mundial acabou: unir, financiar e agir para pôr fim à Mutilação Genital Feminina (MGF) é, este ano, o lema das Nações Unidas para assinalar, no dia 6 de fevereiro, o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina. Esta prática tradicional nefasta, que atinge mais de 200 milhões de mulheres e meninas, está altamente concentrada num conjunto de países situados em África, no Médio Oriente e na Ásia, mas também acontece em comunidades na Europa, na Austrália e na América do Norte. Anualmente, pelo menos quatro milhões de meninas correm o risco de serem vítimas desta prática que afeta a sua saúde física, sexual e psicológica para toda a vida.
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O tempo da inação mundial acabou: unir, financiar e agir para pôr fim à Mutilação Genital Feminina (MGF) é, este ano, o lema das Nações Unidas para assinalar, no dia 6 de fevereiro, o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina. Esta prática tradicional nefasta, que atinge mais de 200 milhões de mulheres e meninas, está altamente concentrada num conjunto de países situados em África, no Médio Oriente e na Ásia, mas também acontece em comunidades na Europa, na Austrália e na América do Norte. Anualmente, pelo menos quatro milhões de meninas correm o risco de serem vítimas desta prática que afeta a sua saúde física, sexual e psicológica para toda a vida.
Apesar de hoje estarem reduzidas a um terço as probabilidades de as meninas serem vítimas desta prática, comparativamente com as suas mães, tias e avós, muitas continuam a ser deixadas para trás e esquecidas nos programas e políticas de promoção de Direitos Humanos, desenvolvimento, educação e igualdade em muitos países e em vários continentes. De acordo com o Programa Conjunto das Nações Unidas FNUAP/UNICEF para a eliminação da MGF, em países onde esta prática nefasta diminuiu, o progresso precisaria de ser pelo menos dez vezes mais rápido para cumprir a meta da agenda global da sua eliminação até 2030.
Os dados mais recentes revelam que a crise pandémica levou a um aumento do número de meninas submetidas à MGF, tendo como consequência um assinalável retrocesso na meta 5.3 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Hoje, o Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) estima que, por causa da pandemia, não serão evitados dois milhões de casos de mutilação genital feminina até 2030.
Não podemos esquecer que estamos perante uma das mais graves violações dos Direitos Humanos. Trata-se de uma prática tradicional nefasta, enraizada em tradições e normas de género que criam e sustentam desequilíbrios de poder entre homens e mulheres. Limitam o acesso a oportunidades e recursos e impedem que meninas e mulheres em muitos países alcancem os seus direitos e realizem todo o seu potencial. Trata-se de uma prática nefasta através da qual mulheres, raparigas e crianças são mutiladas, a coberto de uma cultura sexista e de um fanatismo religioso que pretendem anular a sua autodeterminação, sexualidade, identidade e cidadania. Uma prática que lesa a saúde física, sexual e psicológica de milhares de mulheres e meninas em todo o mundo e para toda a vida. Estamos perante um dos mais intoleráveis e inadmissíveis mecanismos de exercício de poder sexista que usa mulheres para subjugar mulheres.
Portugal tem, desde 2007, Planos de Ação de combate à MGF no âmbito da saúde e da educação, que tive a oportunidade de acompanhar na linha da frente desde os primeiros momentos, e que nos colocaram como um país de boas práticas europeias na prevenção e combate a esta prática nefasta. O apoio de Organizações Não Governamentais e a cooperação internacional, em particular o FNUAP e o Comité Contra as Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné Bissau, têm sido decisivos para esse combate. Em 2007 esta prática nefasta foi criminalizada e em 2015 foi tipificada como crime autónomo.
Portugal tem vindo a apostar no reforço do diálogo intercultural, em projetos e campanhas, como “Práticas Saudáveis – Fim à Mutilação Genital Feminina” e “Não Corte o Futuro!”, que marcam presença nos aeroportos nacionais, em diversos idiomas e são amplamente difundidas através dos meios digitais em centros de saúde, escolas, associações locais, etc., com o objetivo de robustecer a mensagem e os alertas de prevenção. Apostou-se na formação de públicos estratégicos, envolvendo milhares de profissionais (professores, médicos, enfermeiros, etc.) para uma ação mais informada e eficaz.
Há hoje mais casos sinalizados, porque se estabeleceram mecanismos de eficácia e de articulação entre a saúde, a educação e os municípios e as autarquias no combate a este flagelo. O estudo mais recente sobre mutilação genital feminina em Portugal, publicado pelo Observatório Nacional de Violência e Género, da Universidade Nova de Lisboa, estima que residam em Portugal mais de 6500 mulheres (maiores de apenas 15 anos) que teriam sido vítimas de mutilação genital, e cerca de 1830 meninas (com menos de 15 anos) que já teriam sido submetidas a esta prática ou estariam em risco de o ser.
Muito tem sido feito, mas muito há para fazer, sobretudo nestes tempos de confinamento onde se agravam em silêncio as violações aos direitos humanos, de modo a impedir retrocessos nos objetivos que estávamos a alcançar. Pelo trabalho desenvolvido e pela profunda ligação a países com prevalência da MGF, Portugal tem aqui um papel a cumprir.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico