Ensino misto é um caminho viável? Escolas artísticas e tecnológicas dizem que sim
Com o regresso do ensino à distância, as escolas onde há disciplinas com uma componente prática estão a adaptar-se à nova realidade que permita não prejudicar os seus alunos.
Numa altura em que o ensino à distância, recorrendo às ferramentas que a Internet providencia, foi assumido pelo primeiro-ministro António Costa como uma situação preferencial às aulas presenciais, outra solução espreita no horizonte, capaz de controlar o número de pessoas em simultâneo dentro do espaço do estabelecimento, restringir as deslocações e manter a componente social que a escola fornece. É isso que as associações de pais pedem para que possa ser uma realidade ainda ao longo de um segundo período, abruptamente interrompido por 15 dias, como forma de retirar pessoas das ruas e dar resposta ao crescente número de infecções por covid-19: nos últimos sete dias, a média diária estabeleceu-se acima dos 12 mil.
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Numa altura em que o ensino à distância, recorrendo às ferramentas que a Internet providencia, foi assumido pelo primeiro-ministro António Costa como uma situação preferencial às aulas presenciais, outra solução espreita no horizonte, capaz de controlar o número de pessoas em simultâneo dentro do espaço do estabelecimento, restringir as deslocações e manter a componente social que a escola fornece. É isso que as associações de pais pedem para que possa ser uma realidade ainda ao longo de um segundo período, abruptamente interrompido por 15 dias, como forma de retirar pessoas das ruas e dar resposta ao crescente número de infecções por covid-19: nos últimos sete dias, a média diária estabeleceu-se acima dos 12 mil.
No que diz respeito ao ensino artístico e tecnológico, o ensino misto traz outra mais-valia: não compromete a formação em áreas que, pelas suas naturezas, obrigam a uma componente prática. É o caso do ensino da música em que as aulas de instrumentos sofreram um enorme revés no início da pandemia, com as aulas à distância, uma vez que “a matéria-prima é o som” e “nenhuma ferramenta [de interacção online] está preparada para isso”, avalia a directora da Escola Artística de Música do Conservatório Nacional (EAMCN), Lilian Kopke.
Na época, contornou-se a situação recorrendo à gravação, mas o sistema revelou-se insuficiente. Por isso, em Maio, com o desconfinamento, a EAMCN submeteu um pedido de autorização à Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (Dgeste) para proceder a aulas individuais de instrumento presenciais. “No mesmo espaço estavam apenas um professor e um aluno”, recorda a professora de música que pretende poder voltar a contar com essa excepção, até porque, enfatiza, “não houve nenhum caso de transmissão dentro da escola”.
Além disso, fruto das instalações disponíveis, a docente afirma que é possível dividir os alunos por diferentes espaços e restringir os contactos também nas zonas comuns e de passagem. A ideia, após estes 15 dias de férias, passa por “adoptar o regime misto para as aulas de instrumentos e música de câmara, com presenciais de 15 em 15 dias”, além de reforçar a necessidade de “autorização para deixar os alunos estudarem nas instalações pois estes, no caso da percussão, do órgão, da harpa e de outros, não possuem instrumento”.
É também por causa das amplas instalações que o director da Escola Artística Soares dos Reis, no Porto, defende a implementação de um ensino que misture as aulas à distância com momentos práticos, projectando aulas técnicas presenciais, “quando houver condições [sanitárias] para o regresso”. Segundo José Caldas, em Março do ano passado, a escola estava preparada para o ensino à distância, uma vez que já usava várias ferramentas online, ainda que sobretudo para comunicação, e rapidamente colocou o mesmo em prática. No entanto, lembra, “nas áreas técnicas” – e mesmo enaltecendo o esforço extraordinário dos professores, com ferramentas até caseiras – “faz muita falta o trabalho presencial”. Por isso, reforça, é necessário ultrapassar o “centralismo das decisões” e permitir que os casos sejam analisados de forma individual. Foi isso que propôs na preparação deste ano lectivo, mas o intuito foi recusado.
O mesmo aconteceu na ETIC - Escola de Tecnologias Inovação e Criação, em Lisboa, que, em Julho, recorda o director, José Pacífico, apresentou uma solução que passava por criar um horário quinzenal (em vez de semanal) e dividir as turmas: à vez, metade assistiria à aula presencialmente e a outra metade acompanharia à distância. A medida, explica, permitiria controlar o número de alunos por sala sem prejudicar nem a carga horária nem os aspectos formativos de nenhuma área.
A proposta foi recusada e o primeiro período lectivo foi realizado presencialmente. Agora, e “assim que haja alguma abertura para o ensino presencial”, espera que “o método misto seja ponderado e que se integre o ensino tecnológico entre as excepções”, tendo intenção de repetir a proposta.
É que, se no que diz respeito a “qualquer área que envolva um computador há formas de ultrapassar os obstáculos, dando aos alunos acesso remoto às máquinas da escola”, no caso de áreas como o teatro/interpretação ou de produção de vídeo as coisas complicam-se: “Cada aluno não terá uma câmara e um microfone em casa e muito menos uma equipa.”
Em casa e na escola
A maioria das propostas que chegaram ao Ministério da Educação para realizar o ensino misto quando o reinício do calendário escolar em Setembro passado recebeu a resposta de que o método “teria de ser 100% presencial”. No entanto, a Escola Artística António Arroio, em Lisboa, acabou por constituir uma excepção pelo facto de parte do edifício estar a ser alvo de uma profunda intervenção: a obra arrancou em Novembro de 2019 e deveria ter ficado concluída um ano depois – mas, devido aos constrangimentos da pandemia, ainda não está.
“Percebemos que não tínhamos condições para o ensino presencial”, recorda o director Rui Madeira, considerando que o ensino presencial sem quaisquer adaptações, no seu caso, “seria insuportável e até irresponsável”. “Há alunos que vêm de muito longe, que passariam horas todos os dias em transportes públicos”, contextualiza.
Assim, acabou por criar um sistema misto, com horários adaptados à situação, naquilo que considera ser “uma resposta única”. “Em cenários extremos, temos de recorrer a todos os recursos para encontrar uma solução. É que não podemos avançar pelo mar picado nem ficar em águas paradas…”
E, depois de elaborados mais de 1200 horários, num trabalho que, frisa, envolveu a comunidade escolar, as turmas foram divididas em dois grupos, sendo realizados o ensino presencial, as aulas síncronas à distância (com ambos os grupos) e actividades autónomas. Entre as vantagens, destaca em primeiro lugar o ter conseguido restringir o número de pessoas dentro do estabelecimento diariamente, mas também o facto de se ter “tempo de melhor qualidade para a avaliação por serem grupos mais pequenos”.
No ano passado, lembra, não houve grandes dificuldades na passagem para o online, já que todos tinham e-mail institucional e já usavam com regularidade as ferramentas da Google. Agora, e apesar de ressalvar que, “como os alunos aprendem na cerâmica, tudo tem o seu tempo”, espera conseguir integrar pelo menos as aulas práticas no regime presencial, além de desejar manter o apoio extra que é, habitualmente, dado aos alunos que se candidatam à universidade.