O que tem uma mãe (infectada) a dizer sobre a covid
Os médicos extraordinários são mesmo inspiradores. Sobretudo quando vemos, em primeira mão (e não nas redes sociais), como são capazes de ligar dentro e fora de horas para saberem como está uma família que nunca viram mais gorda.
Querida mãe,
A verdade faz-nos mais fortes
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Querida mãe,
Enquanto os nossos organismos vão lutando e, felizmente, agora parecem já estar a ganhar a este novo vírus, eu vou aprendendo lições valiosas. Desligada totalmente de tudo o que tem acontecido no mundo envio-lhe as cinco coisas que aprendi nestas semanas.
1. As mulheres/mães são super heroínas. Não o digo como forma de auto-elogio, mas é de facto fascinante constatar como o corpo de uma mãe reage quando fica doente e tem que tomar conta dos seus filhos. Não é só o meu. Vejo tantas amigas minhas, algumas completamente sozinhas com os filhos, a dizer à covid: “Sei bem que me querias pôr de cama, mas pura e simplesmente não tenho tempo!”
2. Estar preso em casa, sem sair à rua, é enlouquecedor e perigoso. Sei que no caso de quem está infectado é uma necessidade absoluta, mas quando não é o caso temos mesmo de levar as crianças à rua. E ir com elas. É fundamental sentirmos o vento na cara, respirarmos fundo ao ar livre. Temos de os deixar ver outras coisas que não as nossas paredes. E isto não significa estar com outras pessoas ou quebrar o confinamento. A lei prevê-o!
3. O pó acumula-se a uma velocidade estonteante. Estou a pensar produzir um filme ao estilo Manoel de Oliveira em que filmo uma cómoda cem horas seguidas e observamos o pó a acumular em câmara lenta. Uma metáfora para a nossa vida confinados.
4. Tenho quase a certeza que no rito do casamento se diz que estamos obrigados a ficar unidos “na saúde e na doença”, mas nunca ouvi o padre acrescentar “E durante um confinamento de meses a fio fechados na mesma casa, enquanto as crianças desarrumam tudo e não dá para ir beber um café”. Ainda assim, o amor prevalecerá. Aleluia.
5. Que os médicos extraordinários são mesmo inspiradores (*). Sobretudo quando vemos, em primeira mão (e não nas redes sociais), como são capazes de ligar dentro e fora de horas para saberem como está uma família que nunca viram mais gorda. De como saem do trabalho e em vez de irem para o sofá ver séries, passam por nossa casa, demoram 15 minutos a vestir um fato surreal, para se arriscarem a auscultar um de nós, tentando evitar uma ida para o hospital. Nesses momentos percebemos que os heróis se fazem destes pequenos gestos, em contexto de pandemia ou não. E que são heróis por tudo o que sabem (embora seja útil), mas pela forma como se dão aos outros.
Agora conte-me, mãe: o que se passa no mundo? Vai voltar a haver telescola? Há computadores? Já se vacinou alguém??
*Obrigada Dr. Mário Cruz (ou como o mini E. diz “Capitão Mário").
Querida Ana,
Não estava à espera de uma carta tua, não neste contexto, não exausta como estás, não depois dos sustos que apanhaste nestes últimos dias e que arrumam de vez — se alguma dúvida ainda restasse — a ideia de que isto tudo não passa de uma “constipaçãozinha”. E só me apetece tirar-te o chapéu, a ti e a todas as outras mães, que são mesmo, mesmo heroínas. E viva o “capitão Mário”, que sempre que encontramos alguém que se arrisca pelos outros, e vai além do descritivo das funções, refundamos a nossa fé na espécie humana e, mais do que isso, sentimo-nos inspirados a ser melhores pessoas e mais corajosas.
Quanto ao que se passa no mundo, acredita que é extraordinário constatar como funciona o nosso cérebro. A partir do momento em que vocês ficaram doentes, só isso se tornou central, e tudo o resto se esbate por comparação, e torna-se irrelevante mesmo quando, racionalmente, sabemos que não o é. É uma experiência que ajuda a entender melhor o que sentem as pessoas que passam por uma depressão ou um luto, e a quem estupidamente tentamos resgatar da sua tristeza, apontando-lhes o sol que brilha lá fora, ou a quantidade de gente que morre todos os dias por covid ou a pobreza em África. Melhor faríamos em dar-lhes tempo.
Agora que vocês estão melhores — e livrem-se de piorarem! —, tenho boas notícias de grandes amigos que também voltaram à vida, vou reparar no pó que se acumulou nos móveis. Ou talvez o deixe estar sossegadinho, não vás precisar dele para as tuas filmagens.
Amanhã falamos de vacinas, de computadores e de telescolas. Por enquanto ainda não me interessam nada.
E por favor descansa. Estou a contar os dias para vos voltar a ver. Agora naturalmente vacinados podemos abraçar-nos — pela primeira vez, vejo uma vantagem nisto tudo...
No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.