Morreu Christopher Plummer, o eterno Capitão Von Trapp
Vencedor de um Óscar e dois Tonys, e um dos grandes actores shakespearianos da sua geração, será sempre recordado por Música no Coração, que protagonizou ao lado de Julie Andrews. Tinha 91 anos.
“Mas esta gente nunca viu outro filme? É o único que eles viram?” Por mais personagens que tenha encarnado ao longo da sua prolongada carreira, Christopher Plummer, que morreu esta sexta-feira, aos 91 anos, na sequência de uma queda em sua casa, no Connecticut, nunca conseguiu dissociar-se do filme que o tornou uma vedeta mundial: a versão cinematográfica do musical de Rodgers e Hammerstein Música no Coração, em que interpretava o papel do Capitão Von Trapp, o rigoroso comandante naval austríaco que se deixa encantar pela noviça que lhe é enviada para ser governanta dos filhos (Julie Andrews).
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“Mas esta gente nunca viu outro filme? É o único que eles viram?” Por mais personagens que tenha encarnado ao longo da sua prolongada carreira, Christopher Plummer, que morreu esta sexta-feira, aos 91 anos, na sequência de uma queda em sua casa, no Connecticut, nunca conseguiu dissociar-se do filme que o tornou uma vedeta mundial: a versão cinematográfica do musical de Rodgers e Hammerstein Música no Coração, em que interpretava o papel do Capitão Von Trapp, o rigoroso comandante naval austríaco que se deixa encantar pela noviça que lhe é enviada para ser governanta dos filhos (Julie Andrews).
O actor canadiano, que foi nomeado três vezes para os Óscares e levou para casa uma estatueta em 2012, chamava-lhe não The Sound of Music – título original da peça, estreada em 1959 na Broadway com Mary Martin e Theodore Bikel nos papéis principais – mas The Sound of Mucus, “o som do muco”. “É um albatroz que me segue por todo o lado”, queixava-se, lamentando que o sucesso do filme de Robert Wise tivesse assombrado toda a sua carreira posterior. Acabaria contudo por fazer as pazes com ele. Quando o jornal britânico The Guardian lhe fez um inquérito em 2010, à pergunta “como gostaria de ser recordado?” respondeu: “Como [um homem] benigno, benévolo e brilhante, mas não tenho esperança nenhuma disso.” Ele sabia que a popularidade de Música no Coração – que foi durante cinco anos o filme de maior sucesso financeiro de sempre e só em Portugal esteve dois anos consecutivos em cartaz – o condenara a ser para sempre lembrado como o Capitão Von Trapp.
Curiosamente, esse fora apenas o quarto papel de Plummer, então com 35 anos, no grande écrã, depois de Lágrimas da Ribalta (1958), de Sidney Lumet, A Floresta Interdita (1958), de Nicholas Ray, e A Queda do Império Romano (1964), de Anthony Mann. E as suas três nomeações para os Óscares – todas na categoria de actor secundário – vieram apenas muitos anos mais tarde, já o actor era octogenário. A primeira foi pela sua interpretação do escritor russo Leão Tolstói em A Última Estação (2009), de Michael Hoffman; a terceira pela sua encarnação como J. Paul Getty, substituindo à última hora Kevin Spacey, em Todo o Dinheiro do Mundo (2017), de Ridley Scott. Da segunda vez, levou para casa a estatueta, pelo papel de um patriarca que assume a sua homossexualidade depois da morte da esposa no filme Assim é o Amor (2010), de Mike Mills. Tornou-se então o actor mais idoso de sempre a ganhar o prémio, aos 82 anos. “Só és dois anos mais velho do que eu, querido, onde é que andaste toda a minha vida?”, disse ao receber o Óscar.
Uma educação shakesperiana
Bisneto do primeiro-ministro canadiano Sir John Abbott, Arthur Christopher Orme Plummer nasceu em 1929 em Toronto e cresceu em Senneville, subúrbio de Montréal, iniciando carreira naquela cidade antes de experimentar tanto a Broadway como os palcos da província canadiana de Ontario e inclusive do West End londrino. A sua educação de palco foi shakespeariana: Henrique V foi o seu primeiro papel principal ainda em Ontario, em 1956; três anos mais tarde, em 1959, actuaria com a Royal Shakespeare Company em Muito Barulho por Nada e Ricardo III. Nos anos 1970, representou autores como Pirandello, O’Neill ou Büchner nos palcos londrinos.
Foram de facto a televisão e o teatro que o sustentaram até à explosão de Música no Coração, mas mesmo depois de ver o seu nome firmado no cinema continuou a regressar ao teatro, tendo sido nomeado sete vezes para o Tony, que venceu em duas ocasiões: por Cyrano em 1974 e por Rei Lear em 2004. E, quando o cinema não se mostrava interessado nele, havia sempre a televisão, que o chamou para séries como Pássaros Feridos.
Apesar de tudo, não faltaram a Plummer filmes dignos de nota, numa carreira cujos últimos créditos foram Knives Out – Todos São Suspeitos (2019), de Rian Johnson, e Coragem Debaixo de Fogo (2019), de Todd Robinson. Da sua filmografia constam ainda O Estranho Mundo de Daisy Clover (1965), de Robert Mulligan, ao lado de Natalie Wood e Robert Redford; A Caçada Real do Sol (1969), de Irving Lerner, adaptação de uma peça de Peter Shaffer que já havia criado em palco; Waterloo (1970), de Sergei Bondarchuk; O Regresso da Pantera Cor-de-Rosa (1975), de Blake Edwards; O Homem que Queria Ser Rei (1975), de John Huston; Jesus de Nazaré (1977), de Franco Zeffirelli (filmado para televisão mas exibido no cinema em muitos países); Processo Arquivado por Ordem Real (1979), de Bob Clark, onde interpretava Sherlock Holmes, com James Mason como o Dr. Watson; Malcolm X (1992) e Infiltrado (2006), ambos de Spike Lee; Lobo (1994), de Mike Nichols; Doze Macacos (1995) e Parnassus – O Homem que Queria Enganar o Diabo (2009), de Terry Gilliam; O Informador (1999), de Michael Mann; O Novo Mundo (2005), de Terrence Malick; a animação da Pixar Up – Altamente! (2009) ou Os Homens que Odeiam as Mulheres (2011), de David Fincher. Plummer emprestou ainda a sua voz às versões inglesa e francesa do filme de animação de Regina Pessoa, Kali, o Pequeno Vampiro (2012) – na versão portuguesa, a narração coube ao realizador Fernando Lopes. Uma lista muito mais do que honrosa, mas que o actor sabia muito bem que nunca poderia ultrapassar a popularidade global do Capitão Von Trapp.
Christopher Plummer foi casado três vezes, com Tammy Grimes (1956-1960), Patricia Lewis (1962-1967) e, desde 1970, com Elaine Taylor. Deixa uma filha do primeiro casamento, a actriz Amanda Plummer.
Notícia actualizada com a referência à participação de Plummer no filme Kali, o Pequeno Vampiro, de Regina Pessoa.