Confinados de novo: “Uma oportunidade soberana” para mudar hábitos alimentares
Para mudar hábitos de alimentação importa reconhecer e corrigir os erros feito durante o primeiro confinamento em Março do ano passado, como o sedentarismo, o consumo de snacks processados e de álcool.
No primeiro confinamento quase metade dos portugueses alterou os hábitos alimentares e a prática de exercício físico. Num inquérito levado a cabo pela DGS, 45,1% dos inquiridos assumiram que alteraram hábitos alimentares – 58,2% para melhor e 41,8% para pior. Em conversa com o PÚBLICO, os especialistas garantem que a pandemia e este novo confinamento é uma “oportunidade soberana”, que “dificilmente se voltará a repetir”, para promover um estilo de vida mais saudável.
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No primeiro confinamento quase metade dos portugueses alterou os hábitos alimentares e a prática de exercício físico. Num inquérito levado a cabo pela DGS, 45,1% dos inquiridos assumiram que alteraram hábitos alimentares – 58,2% para melhor e 41,8% para pior. Em conversa com o PÚBLICO, os especialistas garantem que a pandemia e este novo confinamento é uma “oportunidade soberana”, que “dificilmente se voltará a repetir”, para promover um estilo de vida mais saudável.
Os números apontados pela coordenadora do centro de endocrinologia e da unidade de obesidade do Hospital CUF Descobertas, Inês Sapinho, não deixam margem para dúvidas — a obesidade é um dos principais factores de risco para o aumento das complicações na covid-19. “Um indivíduo obeso tem um aumento de risco de 46% de ter a doença; um aumento do risco de internamento de 113%; um aumento de necessidade de internamento numa Unidade de Cuidados Intensivos de 74% e um aumento de 48% de mortalidade”, alerta a médica.
Existem também outras patologias, frequentemente relacionadas com a obesidade, que pioram o prognóstico da covid-19, como a diabetes e a hipertensão arterial. O director da Faculdade de Ciências da Nutrição e da Alimentação, da Universidade do Porto, Pedro Graça, destaca que todas estas condições estão “muito relacionadas com hábitos alimentares saudáveis”. O nutricionista explica também que as três doenças em conjunto — obesidade, diabetes e hipertensão arterial — estão relacionadas com quadros inflamatórios.
A alimentação pode, assim, ser uma aliada no combate a esta inflamação. Por isso, Pedro Graça sublinha que uma alimentação saudável funciona como prevenção, de forma a permitir que quem teste positivo à covid-19 “tenha prognósticos menos graves”. Uma nutrição desadequada “seja por defeito ou por excesso” leva a um pior prognóstico, reconhece o nutricionista.
Assim, o médico gastrenterologista da fundação Champalimaud, Paulo Fidalgo, destaca esta “grande crise” também como uma “oportunidade para empreender mudanças”. Para o especialista, este “momento de paragem de uma rotina laboral pesadíssima” é uma “oportunidade para reflectir e pensar”, não só para cada cidadão, mas sobretudo para as autoridades de saúde — para que invistam em “campanhas e intervenções imaginativas” para empreender um estilo de vida saudável.
Que erros não repetir?
Para mudar hábitos de alimentação importa reconhecer e corrigir os erros feito durante o primeiro confinamento em Março do ano passado, quando, destaca a endocrinologista Inês Sapinho, “a ansiedade e o medo do desconhecido” afectaram a forma como nos relacionamos com a comida.
A especialista observa que “a ausência de rotinas proporcionou um saltar de refeições, petiscar em frente à televisão, ou mesmo quando se estava a trabalhar”. Aumentou também o consumo de álcool, acompanhado de muitos alimentos processados, “como se tratasse uma forma de compensação por estarmos numa situação tão estranha”, analisa.
Nota-se, decorrente do confinamento, assegura o gastrenterologista da Champalimaud, um “adiamento de projectos de entrar em abstinência tabágica, para, justificam os pacientes, “contrariar a angústia do confinamento”. Como resultado destes maus hábitos, associados ao sedentarismo, tanto Inês Sapinho, como Paulo Fidalgo, verificaram um aumento de peso em muitos pacientes e o agravamento dos distúrbios digestivos, como o refluxo gastroesofágico — vulgo, azia — e a obstipação.
Mas nem tudo foi mau no confinamento. Os especialistas destacam de forma positiva o aumento do consumo de frutas e vegetais e do hábito de cozinhar em casa. O nutricionista Pedro Graça garante que “cozinhar em casa, por si só” já é uma melhoria nos hábitos alimentares. O director da Faculdade de Ciências da Nutrição e da Alimentação observa que os padrões de alimentação no confinamento estão relacionados com a condição social: “As pessoas em melhores condições financeiras e com maior nível de escolaridade seguiram as recomendações e comeram melhor.”
Que mudanças empreender na rotina?
Transversalmente, os especialistas sugerem que este novo confinamento deve ser aproveitado para iniciar — se ainda não o fez — ou intensificar a actividade física de intensidade moderada, cerca de 45 a 50 minutos, pelo menos três vezes por semana.
Do ponto de vista das refeições, o planeamento é fundamental, sobretudo para quem está em teletrabalho e com as crianças em casa. Planeando o que se vai comer ao longo da semana, torna-se mais simples organizar a lista de compras, reduzindo as idas ao supermercado e resistindo às compras por impulso, normalmente de alimentos menos saudáveis e processados. Já que as crianças estão em casa, inclua-as no planeamento e preparação das refeições.
Na hora de escolher o que comer, sugere a nutricionista da Fundação Champalimaud, Marta Carriço, inclua sempre sopa antes do prato principal. Quanto aos legumes, a nutricionista propõe que se aposte “em cores diferentes” e varie “na forma como se prepara”, quer seja em puré, cozidos, salteados em azeite, assado ou grelhados. No que concerne ao consumo de fruta, de ser feito “com conta, peso e medida”, cerca de três a cinco peças de fruta por dia, incluída como sobremesa ou snack entre refeições.
Em alternativa aos acompanhamentos clássicos (arroz, massa, batata) ou como substituição da proteína animal, a nutricionista da Champalimaud incentiva o consumo de leguminosas — feijão, grão, ervilhas, favas — alimentos “ricos em fibra, vitaminas e minerais”, que conferem uma “maior sensação de saciedade”.
Finalmente, os especialistas alertam para se limite ao máximo o acesso a produtos açucarados, salgados ou com maior teor de gordura. “Neste momento em que muitas vezes procuramos alimentos de conforto há certos alimentos que nos podem ser mais tentadores, tais como bolachas, biscoitos, sobremesas, batatas fritas”, exemplifica a nutricionista Marta Carriço. Deve então evitar-se ter este tipo de alimentos na nossa cozinha para não cair em tentação. Se for preciso, aconselha a nutricionista, não passe em certos corredores do supermercado.
Em última análise, o conselho dos especialista é para que caso sinta que que não consegue empreender mudanças sozinho, não hesite em pedir ajuda, quer seja ao médico assistente, a um endocrinologista ou um nutricionista.