O exemplo de um homem com honra
Se um ministro não se demite por causa do horror do SEF no aeroporto de Lisboa, se uma ministra não se demite por causa da trapalhada da nomeação de um procurador europeu que afecta a imagem de Portugal, haja um homem que renuncia por haver alguém que, no seu hospital, deu vacinas a quem não devia.
Quando descobriu que no hospital que lhe cabia gerir tinha havido uma violação das prioridades no acesso a vacinas, Francisco Ramos fez o que se espera de um homem com honra e sentido de dever público: demitiu-se. É óbvio que a sua função como coordenador da task force do plano de vacinação se tornara insustentável. É evidente que o país indignado e revoltado com tantos casos de abusos no acesso às vacinas não aceitaria que se mantivesse no cargo depois de se provar que os mesmos abusos aconteceram numa instituição onde tem responsabilidade. Mas, ainda assim, a decisão de Francisco Ramos merece nota e elogio público, porque contraria uma tendência, cada vez mais frequente na vida pública e política: a de não haver quem dê a cara pelos erros, abusos ou indignidades cometidas nas autarquias ou ministérios sob a sua dependência.
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Quando descobriu que no hospital que lhe cabia gerir tinha havido uma violação das prioridades no acesso a vacinas, Francisco Ramos fez o que se espera de um homem com honra e sentido de dever público: demitiu-se. É óbvio que a sua função como coordenador da task force do plano de vacinação se tornara insustentável. É evidente que o país indignado e revoltado com tantos casos de abusos no acesso às vacinas não aceitaria que se mantivesse no cargo depois de se provar que os mesmos abusos aconteceram numa instituição onde tem responsabilidade. Mas, ainda assim, a decisão de Francisco Ramos merece nota e elogio público, porque contraria uma tendência, cada vez mais frequente na vida pública e política: a de não haver quem dê a cara pelos erros, abusos ou indignidades cometidas nas autarquias ou ministérios sob a sua dependência.
Francisco Ramos é vítima neste processo. Não foi ele que autorizou a concessão de privilégios na vacinação de pessoas do Hospital da Cruz Vermelha fora das prioridades. Não foi ele que actuou nos bastidores para que esses abusos pudessem ser cometidos. A sua demissão tem por isso um outro significado, para lá do exemplo e da defesa do seu bom nome e consciência: o de expor, aos olhos de todos os portugueses, o grau inaceitável de velhacaria, imoralidade e de ausência de escrúpulos dos que permitiram a vacinação abusiva nas suas costas. Não é que exemplos destes façam muita diferença nos que espreitam a primeira oportunidade para subverter as regras e exibir os seus pequenos poderes em benefício próprio ou dos amigos; mas para todos os outros, a maioria dos portugueses, é reconfortante saber que ainda há quem se indigne e bata com a porta.
Espera-se que o gesto de Francisco Ramos e a repetição até à náusea de casos de aproveitamento abusivo das vacinas force o Governo a agir com mais determinação. Esta quarta-feira, vá lá, conseguimos ouvir o primeiro-ministro dizer que quem abusa tem de ser punido. Mas é pouco – porque é desproporcional face aos danos morais que a multiplicação de maus exemplos está a causar no esforço nacional para a vacinação. Também por isso, o exemplo de Francisco Ramos é importante para preservar os valores éticos indispensáveis à coesão nacional num tempo assim tão terrível. Se um ministro não se demite por causa do horror do SEF no aeroporto de Lisboa, se uma ministra não se demite por causa da trapalhada da nomeação de um procurador europeu que afecta a imagem de Portugal, haja um homem que renuncia por haver alguém que no seu hospital deu vacinas a quem não devia.