Angola, a bala do Estado como legítima defesa
No Cafunfo, uma manifestação que pedia melhoria das condições de vida da população, acabou com um número indeterminados de mortos a tiro pela polícia.
Como muitos temiam, o regime angolano só mudou de nome com a chegada do Presidente João Lourenço. As suas características autoritárias permanecem visíveis e dolorosas na forma de actuar das autoridades. Disparar primeiro e perguntar depois. Ou, como neste caso do Cafunfo, na Lunda Norte (esse território onde a pouca democracia e Estado de direito que existem em Angola têm mais dificuldade em entrar, porque é zona de diamante e onde as pedras brilham reina a obscuridade), disparar primeiro e inventar toda uma teoria de rebelião alimentada por elementos estrangeiros que faz muito menos sentido que a simplicidade dos factos.
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Como muitos temiam, o regime angolano só mudou de nome com a chegada do Presidente João Lourenço. As suas características autoritárias permanecem visíveis e dolorosas na forma de actuar das autoridades. Disparar primeiro e perguntar depois. Ou, como neste caso do Cafunfo, na Lunda Norte (esse território onde a pouca democracia e Estado de direito que existem em Angola têm mais dificuldade em entrar, porque é zona de diamante e onde as pedras brilham reina a obscuridade), disparar primeiro e inventar toda uma teoria de rebelião alimentada por elementos estrangeiros que faz muito menos sentido que a simplicidade dos factos.
No Cafunfo, uma manifestação que pedia o fim da violência policial e a melhoria das condições de vida da população, acabou com um número indeterminado de mortos a tiro pela polícia – a Amnistia Internacional fala em pelo menos dez, as famílias denunciam corpos roubados da morgue para que os cadáveres batam certo com a informação oficial.
Um dos vídeos, filmados desde uma casa por uma temerosa mulher com o seu telemóvel, mostram uma multidão que foge para um lado por causa dos tiros, regressa sobre os seus próprios passos com receio de outros disparos e tenta uma nova rota de fuga só para se ver cercada e desorientada. O som das muitas balas é audível ao longo de todo o vídeo, bem como os gritos e os lamentos e, por fim, alguém ferido que pede socorro.
Não se vêem armas naquela multidão, só medo. Não se lhes nota sinais dessa rebelião que a polícia diz que impediu, nem tão graves ameaças que justifiquem a conferência de imprensa musculada do comandante da polícia e a tonitruante defesa da acção policial feita pelo ministro do Interior, Eugénio Laborinho e que o Jornal de Angola, obediente voz do dono, esparramou na primeira página como se fosse a guerra, como se o país se tivesse salvado de um ataque estrangeiro.
Ao invés dessa guerrilha que o ministro afirma estar a ser formada no Leste do país, aproveitando a existência do Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe, o comportamento da polícia face à população civil demonstra a mesma falta de respeito pelos direitos humanos de outras eras. O valor ínfimo dado à vida humana, a mesma classificação de inimigo atribuída a quem ousa ter opinião contrária – mesmo que essa opinião contrária seja apenas a de quem só quer tirar a barriga da miséria ou se cansou de ceder o corpo à arbitrariedade da polícia.
O que se passa com a Angola de João Lourenço, três anos depois de chegar ao poder, já se passava com a Angola de José Eduardo dos Santos: quando falta o pão, o Estado distribui bala e alega legítima defesa.