Precisamos de comunicar para viver

Em nenhuma outra época da história da Humanidade foi possível termos à nossa disposição tantos e tão diversificados meios de comunicação. A título de exemplo, em 2018 havia cerca de 6500 espécies de mamíferos registadas e 8000 “espécies” diferentes de telemóveis.

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"Comunicar é um acto inerente à condição humana. É uma espécie de matriz social onde se reflectem todas as actividades humanas" Tommy Tong/Unsplash

Há uns anos tive o privilégio de acompanhar um jovem que, após ano e meio de intervenção, exclamou a meio de uma consulta: “Tu hoje estás triste!” E estava de facto. Até aqui, nada de especial! Os psicólogos mesmo no papel de ajuda ao outro também são pessoas e as crianças e jovens são dotadas de sensibilidade (por vezes até mais do que os adultos) para detectarem pequenas nuances não verbais, reveladoras de alteração do nosso estado emocional. Mas, estamos a falar de um jovem com perturbação do espectro do autismo, com uma dificuldade acentuada na comunicação, no relacionamento interpessoal, em se descentrar e colocar no lugar do outro. Um jovem que raramente me olhava nos olhos e que cinco anos depois continuava sem saber o meu primeiro nome. Foi por isso um momento raro e especial.

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Há uns anos tive o privilégio de acompanhar um jovem que, após ano e meio de intervenção, exclamou a meio de uma consulta: “Tu hoje estás triste!” E estava de facto. Até aqui, nada de especial! Os psicólogos mesmo no papel de ajuda ao outro também são pessoas e as crianças e jovens são dotadas de sensibilidade (por vezes até mais do que os adultos) para detectarem pequenas nuances não verbais, reveladoras de alteração do nosso estado emocional. Mas, estamos a falar de um jovem com perturbação do espectro do autismo, com uma dificuldade acentuada na comunicação, no relacionamento interpessoal, em se descentrar e colocar no lugar do outro. Um jovem que raramente me olhava nos olhos e que cinco anos depois continuava sem saber o meu primeiro nome. Foi por isso um momento raro e especial.

Comunicar é um acto inerente à condição humana. É uma espécie de matriz social onde se reflectem todas as actividades humanas. Nos anos 60 do século passado, um grupo de investigadores da escola de Palo Alto haveria de estipular os axiomas presentes na Teoria da Comunicação, os quais serviriam de base à intervenção psicoterapêutica e terapia familiar. Um desses axiomas é o da impossibilidade de não se comunicar, uma vez que todo o comportamento é uma forma de comunicação. Precisamos de comunicar para viver, por isso dificuldades neste domínio acarretam consigo limitações ao desenvolvimento, à saúde e ao bem-estar das pessoas.

Em nenhuma outra época da história da Humanidade foi possível termos à nossa disposição tantos e tão diversificados meios de comunicação. A título de exemplo, em 2018 havia cerca de 6500 espécies de mamíferos registadas e 8000 “espécies” diferentes de telemóveis. Contudo, vimo-nos confrontados com a necessidade de combater, permanentemente, a desinformação, a distorção, o enviesamento, a propaganda e o discurso de ódio. É um tipo de linguagem que ganha vantagem quando o medo e circunstâncias de vida menos favoráveis, tendentes a conduzir à desilusão e desencanto, estão presentes. Cada um, à sua maneira, considera estar mais ou menos imune a isto, acreditando que a informação que detém é verdadeira e que as suas fontes e canais de informação são fidedignos. Como se fosse algo que só pudesse acontecer aos outros, os ignorantes e não a mim. Mas todos, em maior ou menor grau, corremos esse risco.

Em plena crise pandémica comunicar eficazmente e pela positiva, validando as dificuldades e valorizando o esforço de cada um, salientando e reforçando os comportamentos adequados, diversificando canais de comunicação e personalizando mensagens que ajudem a promover a adopção de comportamentos saudáveis, pró-saúde e pró-sociais torna-se ainda mais relevante.

Laura Esquivel, num dos seus livros, conta a história de um telegrafista que torna mais suaves mensagens amargas e/ou agridoces que lhe pedem para passar no telégrafo, melhorando as relações entre as pessoas ao introduzir pequenas alterações na forma como comunicam, mantendo o seu conteúdo. A história narrada nesse livro lembra a importância e valor dos telegrafistas desta vida que, neste contexto pandémico, reconhecem e actuam em conformidade perante aqueles que apresentam indicadores de maior vulnerabilidade ou que se encontram expostos a situações mais complexas e exigentes e que poderão precisar de maior suporte psicológico e emocional. Neste grupo de pessoas poderão estar algumas crianças e jovens, sendo útil, nesta fase, validar os seus sentimentos e oferecer apoio, tranquilizar e conversar sem dramatizar, manter uma rotina e diversificar actividades, incentivar a um uso adequado das redes sociais, interagir e brincar, planear actividades em conjunto e promover práticas de relaxamento e tranquilidade.

Todos temos um papel importante a desempenhar no controlo da propagação do vírus, no evitar comportamentos de risco que possam colocar em causa o cumprimento das recomendações das autoridades, no combate à desinformação e ao estigma e na recuperação das pessoas. A forma como comunicamos fará toda a diferença no sucesso desta missão!