A PARSUK, uma casa do tamanho do Reino Unido, abre a porta a estudantes e investigadores há 13 anos

A PARSUK (Associação Portuguesa de Investigadores e Estudantes no Reino Unido) foi criada em 2008 e, ao todo, já representou e promoveu a comunicação entre 1800 estudantes e investigadores portugueses em solo britânico. Hoje, as preocupações não são as mesmas de há 13 anos — a pandemia e o “Brexit” são os principais motivos.

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Quando Liliana Brito, 29 anos, pousou os pés pela primeira vez em Londres, em 2016, não havia cinzento que tingisse o céu limpo que se estendia sobre a cidade. Sentiu-se “bastante surpreendida”: afinal, naquele dia de Setembro “havia sol” numa cidade que contava ver “sempre nublada”. Dois anos antes, Isabel Ramos, 30 anos, chegava ao mesmo destino (e também como estudante de doutoramento) e ali iniciava “uma relação de ‘amor-ódio’” com a cidade. Pouco mais cedo, em 2013, Márcia Costa, da mesma idade, encontrou na capital do Reino Unido algo que ainda não existia em Portugal: um doutoramento dedicado a ultrassons focalizados no The Institute of Cancer Research (onde também fez o pós-doutoramento).

As três portuguesas não partilham casa, mas fazem parte de uma cujo espaço se estende para lá de Inglaterra: a PARSUK (Associação Portuguesa de Investigadores e Estudantes no Reino Unido), criada em 2008. No total, 1800 estudantes e investigadores portugueses juntaram-se à associação — e um deles foi Tiago Brandão Rodrigues, actual ministro da Educação, que também integrou a direcção. A associação, que representa e promove a comunicação dentro da comunidade, conta, actualmente, com 400 membros activos. “Essa representação é feita de várias formas”, começa por explicar Márcia, presidente da PARSUK para o mandato de 2020-2021. Um dos exemplos é o Luso, cuja 13.ª edição se realizou em Junho de 2020. Este ano, devido à pandemia, o evento passou para o plano virtual, mas manteve o conceito: reunir membros da associação, que trocam experiências pessoais e profissionais. “Mas também temos programas de bolsas, estabelecemos contactos junto de algumas entidades, como a embaixada portuguesa em Londres, o nosso Ministério do Ensino Superior e outros decisores políticos”, completa.

Já percebemos a ideia: a PARSUK é como uma rede cujas pontas se prendem a diversos pilares, segurando quem se aventura por aquele país. E que os seus membros vão fazendo chegar a outros. Liliana chegou à associação através de uma antiga colega de Engenharia Biológica, enquanto frequentava o mestrado em Biotecnologia no Instituto Superior Técnico. “Ela estava no grupo de investigação do qual faço parte, no Imperial College de Londres, e já era da associação. Fez o convite e eu integrei a PARSUK”, conta. Depois, fez o mesmo com outra portuguesa, que integrou o mesmo grupo de investigação. Liliana estendeu a rede, convidando-a para a associação.

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Da esquerda para a direita: Márcia Costa, Isabel Ramos e Liliana Brito.

Investigar lá fora é “muito aconselhável”

Na PARSUK, Liliana faz de tudo um pouco: “Neste momento, sou presidente da Assembleia Geral. Estou também responsável pela comunicação social, pela organização de eventos e pela gestão de dados.” Já no Imperial College, o projecto de doutoramento que integra consiste na investigação e desenvolvimento de “uma terapia génica para ajudar o coração a regenerar-se completamente depois de um ataque cardíaco”. Esta não é a primeira vez que Liliana investiga (e vive) fora de Portugal: antes de chegar ao Reino Unido, passou seis meses em Madrid ao abrigo do programa INOV Contacto, fazendo investigação no Instituto de Salud Carlos III. No final, soube “automaticamente” que não ficaria por Portugal durante muito tempo. “Queria muito vir para o Reino Unido. Para além de haver muita aposta na ciência cá, sempre quis aperfeiçoar o meu inglês. Acabei por vir depois de ter propostas da Suíça e Áustria, mas não fiquei com os lugares”, conta.

Isabel, actual vogal do conselho fiscal da associação, juntou-se à PARSUK “como associada” no mesmo ano em que Liliana chegou a Londres. A portuense também passou primeiro pelo país vizinho: durante o mestrado em Bioengenharia na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, fez Erasmus em Barcelona. Foi nessa altura que descobriu a área de investigação científica que acabaria por seguir no Reino Unido, no doutoramento em Imagiologia e Bioengenharia no Kings College: “Em Barcelona, investiguei sobre regeneração cardíaca. Continuei à procura de coisas relacionadas com isso, mas não havia muito em Portugal nem no resto da Europa. Acabou por surgir uma oportunidade na Holanda e outra no Reino Unido. E escolhi vir para cá.” Hoje, trabalha como gestora de inovação na Siemens Healthineers.

Já a presidente Márcia tornou-se associada da PARSUK em 2016, como embaixadora, três anos depois de chegar a Londres. Em 2012, terminou o mestrado integrado em Engenharia Biomédica e Biofísica na Universidade de Lisboa, de onde é natural. Antes de ingressar no doutoramento e pós-doutoramento na área da oncologia no The Institute of Cancer Research, passou pela Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. “É mesmo muito aconselhável que as pessoas passem tempo fora do seu país quando se dedicam à investigação. Para além de conheceres outras pessoas, também podes publicar e partilhar experiências com elas”, diz. Entretanto, mudou para a área do publishing: é editora sénior na revista dedicada à oncologia, The Lancet Oncology, parte da família Lancet, uma das mais antigas publicações de medicina.

Os desafios da pandemia e do “Brexit”

A “excelente cultura científica” do país, como diz Márcia, acaba por atrair investigadores e estudantes de todo o mundo para terras britânicas: “Há instituições muito boas, existe bastante financiamento para investigação, tanto do lado público como do privado.” Segundo o que lhe dizem os membros da PARSUK, “a maior probabilidade de progressão na carreira e o facto de haver mais oportunidades de emprego são os dois principais factores” que levam muitos portugueses a fixarem-se pelo Reino Unido. Junta-se a isso “a multiculturalidade de cidades como Londres, que é fundamental, especialmente na ciência”, acrescenta Isabel. Para Liliana, a abundância de recursos foi outro dos motivos na escolha do destino para o doutoramento. “Há muita aposta, sem dúvida. Há muitas instituições de charity [entidades filantrópicas] e essa cultura de investimento é muito forte por cá, tanto do governo como de entidades privadas”, explica.

Contudo, a pandemia veio comprometer esses fundos. “Tenho visto vários anúncios destas instituições que precisam de ajuda”, reporta Liliana. Por outro lado, a saída do Reino Unido da União Europeia poderá pôr em causa a posição de topo que o país ocupa no seio da investigação científica. Primeiro, há novas regras para quem quer emigrar para o Reino Unido, cujo processo se desenrola agora através de um sistema de pontos algo limitativo. Mas já antes disso se havia notado um decréscimo em 35% no número de cientistas a chegar ao Reino Unido através do programa Marie Sklodowska Curie, entre 2015 e 2018, de acordo com o Institute for Government (grupo de reflexão governamental independente). Já os dados do Observatório da Emigração indicam um aumento em 30% na entrada de portugueses em solo britânico em 2019, comparando com os números de 2018 — um reflexo da emigração de “última hora” antes do “Brexit”

Ainda assim, o que ficou firmado a 24 de Dezembro último, na conclusão das negociações do “Brexit”, trouxe algum alívio: os investigadores e cientistas no Reino Unido permanecerão elegíveis para financiamento em programas como o Horizon Europe (mas não para o Conselho Europeu de Inovação, que faz parte do programa), Euroatom ou Copernicus. A revista Science coloca questões como a perda de influência do Reino Unido na tomada de decisões do investimento em ciência nestes programas, bem como a contribuição financeira, que poderá ser “demasiado alta”. Tal pode vir a contrastar com a posição do país até agora nesse sentido, já que os “investigadores sediados no Reino Unido estavam entre os maiores beneficiários” do Horizon 2020 (o programa antecessor do Horizon Europe), lê-se na ainda.

Numa nota publicada no site da Royal Society britânica, o presidente da instituição, Adrian Smith, salientou que é na colaboração que “o progresso científico prospera”; contudo, “qualquer atraso” no processo de associação a esses fundos europeus “prejudicará a ciência” britânica. Adrian Smith frisou ainda que a crise pandémica fez notar “os benefícios da cooperação científica internacional”. “Com a ciência e a inovação no centro da reconstrução pós-pandemia, precisamos de trabalhar juntos. Quanto mais cedo o pudermos fazer, melhor para toda a gente.” Em 2020, foram muitos os estudantes portugueses a regressar a Portugal do Reino Unido. E “muitos investigadores viram projectos suspensos” ou “foram colocados em layoff devido à pandemia”, como referiu a presidente da PARSUK à Lusa. “Alguns dos estudantes tiveram as aulas presenciais canceladas e muitos regressaram a Portugal durante este período. Alguns investigadores ficaram com projectos suspensos e em ‘furlough' [contrato de trabalho suspenso]”, disse à mesma agência.

Ainda sem se conhecerem as medidas concretas para o cumprimento dessa cooperação científica defendida pela Royal Society, Isabel defende que a transição deve ser feita “da forma mais tranquila possível”. Até porque “Portugal vê o Reino Unido como um grande parceiro a nível científico”. Na altura da conversa entre o P3 e as representantes da PARSUK, ainda não se conhecia o desfecho das negociações do “Brexit”, mas havia, claramente, preocupações com a mobilidade

“O ‘Brexit’ faz-me pensar se devo ficar muito mais tempo por cá”, confessa Liliana. No entanto, pesa-lhe, do outro lado da balança, a vida em Londres: “É um mundo à parte. É muito caro, sim, mas há sempre coisas a acontecer.” E talvez seja por isso que Isabel, quando volta a Portugal, esteja sempre à procura “das coisas que há em Londres”. Em todo o caso, a portuense tenciona voltar — só não sabe quando. A saída do Reino Unido da União Europeia também coloca dúvidas a Márcia quanto ao seu futuro no país: “Se correr mal, sem dúvida que pensarei num outro sítio para viver, mas não necessariamente Portugal.” Por agora, os três membros da PARSUK prevêem continuar a aproveitar as gastronomias “de todo o mundo” que moram nos restaurantes londrinos, os “muitos musicais” e a “beleza do countryside [zona rural]” não muito distante da Londres mais cinzenta do que azulada.