“Uma selvajaria” - Igreja Católica e oposição angolanas denunciam “massacre” de manifestantes na Lunda Norte
Polícia diz que foram mortos seis manifestantes que tentaram invadir uma esquadra no Cafunfo, bispos e organizadores garantem que foram 15. UNITA e CASA-CE falam em “barbárie” e “selvajaria”, exigem tomada de posição de João Lourenço e responsabilização dos autores.
Os bispos católicos e a oposição angolana denunciaram a violência policial na repressão de uma manifestação no sábado em Cafunfo, na Lunda Norte, de que resultou um número indeterminado de mortos. No “massacre” — como lhe chamam — podem ter morrido 15 pessoas, vítimas dos disparos indiscriminados das forças de segurança.
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Os bispos católicos e a oposição angolana denunciaram a violência policial na repressão de uma manifestação no sábado em Cafunfo, na Lunda Norte, de que resultou um número indeterminado de mortos. No “massacre” — como lhe chamam — podem ter morrido 15 pessoas, vítimas dos disparos indiscriminados das forças de segurança.
No sábado, cerca de 300 pessoas, afectas ao Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT, que reivindica a autonomia do Leste do país), manifestaram-se para, segundo o movimento, exigir que “os problemas das suas comunidades sejam resolvidos”. A polícia lembra que o protesto não fora autorizado – foi feito um pedido de autorização – e fala em “rebelião armada” para justificar a investida, justificando os disparos com uma tentativa de assalto a uma esquadra, admitindo a morte de seis pessoas.
Num comunicado divulgado no domingo, o MPPLT recusa a acusação de “rebelião armada” e condena “o acto bárbaro perpetrado por agentes das forças de defesa e segurança contra populações indefesas”.
Já ontem, as duas principais formações da oposição, UNITA e CASA-CE, denunciaram o que consideraram “um acto bárbaro” (UNITA) e uma “selvajaria” (CASA), para exigirem inquéritos rigorosos ao que se passou e a responsabilização pelas mortes. E pedem uma justificação ao Presidente João Lourenço.
“O Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA manifesta a sua profunda preocupação que em tempos de paz, actos contínuos de assassinatos ocorrerem sempre que haja qualquer manifestação de intenção de reunião ou de expressão pelos cidadãos”, diz um comunicado da UNITA que exige a criação de uma comissão parlamentar para apurar o que se passou na vila de Cafunfo. Prossegue: “O Grupo Parlamentar da UNITA condena a insensibilidade do Executivo angolano perante a morte de cidadãos angolanos, pelo simples facto de pensarem de modo diferente, pondo em causa o pluralismo de expressão e de opinião, que são fundamentos do Estado de direito democrático.”
A CASA-CE destaca a “gravidade das denúncias, suportadas por conteúdos audiovisuais, que reportam episódios de autêntica selvajaria à moda primitiva” com cidadãos “gravemente feridos” expostos a humilhação e carentes de assistência médica, sob custódia de agentes da Polícia Nacional e das Forças Armadas Angolanas. A formação insta as autoridades angolanas a instaurar um inquérito no sentido de apurar a verdade das denúncias e, caso se confirmem, responsabilizar civil e criminalmente os seus autores.
Num dos vídeos enviados ao PÚBLICO, vêem-se elementos das forças de segurança a arrastar, por uma rua, corpos mortos até uma zona onde estão, no chão, já várias pessoas mortas e feridas. E há fotografias de um local com corpos de várias pessoas amontoados.
A Human Rights Watch considerou que há indícios “claros” de violência policial. “As imagens que obtivemos dos momentos após o tiroteio que resultou num número não identificado de pessoas mortas mostram algumas irregularidades no comportamento da polícia”, disse à Lusa a representante da organização para Angola, Zenaida Machado.
Nas redes sociais, os bispos que integram a Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) condenaram também as mortes dos manifestantes às mãos da polícia. O arcebispo de Saurimo, D. José Manuel Imbamba, que já foi o bispo da diocese onde se localiza Cafunfo, fez no Facebook um “desabafo em voz alta”, lamentando o sangue “derramado inutilmente” e questionando se havia necessidade para “tanta violência e desumanidade”.
“Os problemas sociais, de miséria, exclusão e analfabetismo são mais do que evidentes nesta região Leste. Em vez da política dos músculos, não seria mais sensato cultivarmos a política do diálogo para juntos resolvermos e vencermos as assimetrias sociais gritantes tão notórias?”, questionou o bispo, que diz estar “profundamente chocado e consternado” com o sucedido e espera que a investigação seja “vigorosa e responsabilize os que agiram mal”.
Também o bispo de Cabinda, D. Belmiro Chissengueti, considerou que o que aconteceu em Cafunfo é “muito grave”, e defendeu “investigações independentes para se responsabilizar publicamente os culpados”.
“Este país é muito rico, mas é preciso que se deixe de roubar e se distribua a riqueza mediante a diversificação da economia geradora de empregos. Não podemos continuar neste paradoxo que faz das zonas de exploração de riqueza verdadeiros pântanos de pobre”, escreveu.
Por sua vez, D. Jesus Tirso Blanco, bispo da Diocese do Moxico, no Leste de Angola, disse estar com o “coração a sangrar” devido à “violência inaudita de Cafunfo, com toda a dose de agressão e morte, de desrespeito a vivos e defuntos”. “Nada pode justificar esse tipo de execuções sumárias sem crime cometido”, escreveu o bispo no Facebook, acrescentando que “se abriram feridas profundas que não cicatrizarão facilmente”.
Em declarações à Lusa, o bispo do Dundo, D. Estanislau Marques Chindekasse, disse que o protesto tem raízes em problemas por resolver: “Claramente que é preocupante, quando há perdas de vidas humanas, mas a questão fundamental não é esta, esta é simplesmente uma manifestação de uma realidade mais profunda”.
A Lunda Norte é uma zona de grande implantação das autoridades tradicionais e tem existido uma tensão permanente entre estas e o poder central de Luanda. A autonomia da região das Lundas (Lunda Norte e Lunda Sul, no Leste angolano), rica em diamantes, é reivindicada por um movimento que se baseia num acordo de protectorado celebrado entre nativos Lunda-Tchokwe e Portugal nos anos 1885 e 1894, que daria ao território um estatuto internacionalmente reconhecido.
A Lusa diz que o comandante-geral da polícia nacional angolana, Paulo de Almeida, visitou, no domingo, a região, e garantiu um inquérito para se apurar responsabilidades.