O Festival de Roterdão faz a festa dos 50 anos sem sair de casa
Há um ano, abria com um filme português, Mosquito. Este ano, o certame que ajudou a revelar Hong Sang-soo ou Christopher Nolan celebra as bodas de ouro com uma programação fiel ao seu historial – e inteiramente online.
Cinquenta anos é um número bonito para um festival de cinema. E o de Roterdão celebra em 2021 as suas “bodas de ouro”, com uma edição que traz uma nova direcção – encabeçada pela programadora Vanja Kaludjercic. Mas no ano 1 depois do vírus, a que a edição de 2020 escapou por um triz, o recente confinamento decretado pelo governo dos Países Baixos fez desabar a trovoada sobre a festa. Que vai acontecer na mesma – porém exclusivamente online na primeira “tranche”, que corre desta segunda-feira até domingo –, porque 50 anos só se fazem uma vez, e ainda por cima o programa competitivo é bem interessante.
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Cinquenta anos é um número bonito para um festival de cinema. E o de Roterdão celebra em 2021 as suas “bodas de ouro”, com uma edição que traz uma nova direcção – encabeçada pela programadora Vanja Kaludjercic. Mas no ano 1 depois do vírus, a que a edição de 2020 escapou por um triz, o recente confinamento decretado pelo governo dos Países Baixos fez desabar a trovoada sobre a festa. Que vai acontecer na mesma – porém exclusivamente online na primeira “tranche”, que corre desta segunda-feira até domingo –, porque 50 anos só se fazem uma vez, e ainda por cima o programa competitivo é bem interessante.
Há um ano, Portugal teve honras de abertura do festival com Mosquito, de João Nuno Pinto, que iniciou na cidade holandesa um impressionante périplo internacional, e esteve também presente através da co-produção luso-brasileira Um Animal Amarelo, de Felipe Bragança. Nesta edição número 50, regista-se uma única presença portuguesa – a curta-metragem de Catarina de Sousa e Nick Tyson Tracing Utopia, odisseia documental pelo imaginário queer de um grupo de jovens nova-iorquinos –, seleccionada para a competição oficial de curtas-metragens Ammodo Short Tiger. Será, aliás, nas competições que Roterdão se concentrará ao longo desta semana – a principal das quais, a Tiger Competition, aberta exclusivamente a primeiras, segundas e terceiras obras, serviu de “porta de entrada” para cineastas como Kelly Reichardt (que é também uma das homenageadas de 2021), Hong Sang-soo, Lou Ye, Pablo Trapero ou Christopher Nolan (cuja primeira longa-metragem, Following, foi apresentada a concurso no festival).
É uma marca registada de Roterdão desde que o festival foi fundado em 1972 pelo truculento bon vivant cinéfilo e programador Huub Bals (1937-1988): a aposta em novos cineastas, a par de uma atenção especial ao cinema de autor e a cinematografias pouco divulgadas (ficaram célebres as suas boutades: “o cinema americano está moribundo” ou “os mestres do cinema de amanhã virão do terceiro mundo”). Bals, fumador inveterado, apreciador do bom álcool e viajante incansável, morreu de ataque cardíaco aos 51 anos, mas Roterdão conseguira entretanto impor-se como um local de descoberta de novos filmes; através do Fundo Hubert Bals, o festival apoia anualmente a produção de cinema em África, na América Latina, na Ásia e no Médio Oriente, tendo aberto as portas a nomes como o tailandês Apichatpong Weerasethakul (cujo O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores venceu a Palma de Ouro de Cannes em 2010) ou o iraniano Mohammad Rasoulof (Urso de Ouro de Berlim em 2020 por O Mal Não Existe).
Um espírito de abertura
Todo este espírito de abertura é confirmado pela programação competitiva de Roterdão 2021, que continua a ser um espaço disposto à experimentação formal (não esqueçamos afinal que, em 2019, o festival dedicou uma retrospectiva ao nosso Edgar Pêra…). Numa selecção cujas linhas temáticas principais parecem ser a memória e o sonho, em alguns casos paredes-meias com o cinema de género, destacam-se uma fortíssima presença brasileira, com a extraordinária estreia de Madiano Marchetti, Madalena, e Carro Rei, o novo filme de Renata Pinheiro (Amor, Plástico e Barulho); e um grande número de produções orientais, encabeçadas pelo surreal road movie onírico da chinesa Queena Li, Bipolar, e pela adaptação de Shakespeare pelos taiwaneses Chen Hung-I e Muni Wei, As We Like It.
Apesar de terem ainda sido pensadas algumas sessões públicas, face à actual situação sanitária na Holanda o festival decorrerá exclusivamente nas plataformas digitais, que foram trabalhadas para replicar a experiência de acompanhar o certame fisicamente. É possível marcar bilhetes online para a estreia dos filmes em tempo real, que será acompanhada por sessões virtuais de perguntas e respostas com os realizadores. Mas cada filme ou programa apenas pode ser visualizado durante 72 horas e unicamente dentro do território holandês. Para a segunda leva, presencial e a decorrer de 2 a 6 de Junho – coincidindo com as datas da primeira edição em 1972, e nas quais se espera já haver luz verde para sessões públicas –, ficam reservadas as retrospectivas comemorativas dos 50 anos e as secções paralelas.
É um risco, sabemo-lo, fazer um festival inteiramente online, e não são poucos os que, ao longo dos últimos meses, testaram a experiência sem terem ficado inteiramente convencidos. Também não é impossível realizar um festival físico com as limitações da pandemia – Veneza 2020 provou-o – mas, perante a evidência de que a covid-19 está ainda longe de controlada, essa possibilidade ficou fora de questão. Num momento em que Cannes já adiou para Julho a sua edição de 2021 e Berlim apenas confirmou até ao momento as actividades de indústria (a decorrer inteiramente online em Março), a opção de Roterdão acompanhou a do festival americano de Sundance, não deixando passar as bodas de ouro em branco e fazendo a festa, para já, nas redes. Que a festa seja bonita, é o que desejamos.