A dolorosa reaprendizagem
Chegará o dia em que nos tiram as rodinhas e aí vamos nós de novo, na bicicleta, a sentir a leveza do vento no rosto, alegres como crianças inocentes, cheias de vontade de querer só mais uma vez.
Há uma diferença notável entre aprender e reaprender. Se na primeira nos permitimos ao inédito e tudo é novo, na segunda a experiência acumulada já tem algo a dizer. Já não se trata de uma primeira vez, já não vamos ao desconhecido. Em tudo, trata-se do equilíbrio que permanece exigente e exigido.
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Há uma diferença notável entre aprender e reaprender. Se na primeira nos permitimos ao inédito e tudo é novo, na segunda a experiência acumulada já tem algo a dizer. Já não se trata de uma primeira vez, já não vamos ao desconhecido. Em tudo, trata-se do equilíbrio que permanece exigente e exigido.
Quando aprendemos a andar de bicicleta, assimilamos e polimos as bases do equilíbrio. É novo e insólito para nós, mas alcançamo-lo. Se por algum motivo acidental paramos uns bons tempos de andar, quando reaprendemos é-nos pedido de novo o equilíbrio. Na reaprendizagem, ele mantém-se necessário. Podemos ressalvar que, neste caso, tratamos de um equilíbrio físico. Mas será necessário transportá-lo para outras realidades onde ele se mantém imperativo.
Em tempos, anoitecer era assustador. As pessoas perdiam a esperança nas horas seguintes. Apavoravam-se com o que podiam viver na escuridão e temiam que assim ficassem ad eternum. Mas chegada a aurora, estendia-se a esperança. A cada aurora, uma reaprendizagem. Até que o medo se dissipou na experiência ganha.
Serve o preâmbulo para dar conta da angústia e do desconsolo que se apoderou nas pessoas nos últimos tempos. Um calvário que se serve da incerteza no futuro, que bebe do medo pelo desconhecido, não sabendo se há pão na mesa e se houver, em que estado está. No entanto, outra incerteza emerge das profundezas do pensamento: quem seremos depois disto?
Desaprendemos os gestos que nos aproximam. Esquecemos o abraço. Aquele, coração com coração. Já não choramos como dantes, deixámos de saber aceitar uma notícia, tivemos dificuldade em largar uma ideia. O afecto tornou-se uma variante bio-sociológica de formalidade ditada. E desaprendemos o silêncio. Passámos a falar, falar mais, falar muito. A opinar, a opinar tanto. Somos garrafões que transbordam opinião séria, honesta, desonesta, disparatada, pensada ou gratuita. Não presumíamos tanto antigamente. Deixámos de elogiar a pureza e de considerar habitar as coisas verdadeiras. Os pensamentos tornaram-se embrutecidos e cruéis e a banalidade ingénua saudável passou a ser coisa rara.
Será dolorosa a reaprendizagem, que recairá no equilíbrio do que se diz, do que se pensa, do que é visto, do que é ouvido, do que é autêntico. Temos de reaprender a ser informais. A vida é uma merda quando nos tornamos sérios e certinhos. A vida não tem graça absolutamente nenhuma quando não sabemos se podemos ou não fazer qualquer coisa, a medo. E chegará o dia em que nos tiram as rodinhas e aí vamos nós de novo, na bicicleta, a sentir a leveza do vento no rosto, alegres como crianças inocentes, cheias de vontade de querer só mais uma vez.