Maria João Brito: “Não são só as escolas, nada poderá voltar a abrir tão cedo”
A médica que dirige a Unidade de Infecciologia do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, mudou de ideias entre Março do ano passado e agora no que diz respeito ao fecho das escolas. Se antes não via problema nestes locais considerados seguros, agora defende que devem permanecer encerradas.
Maria João Brito corrige-nos quando lhe perguntamos como assistiu à hesitação e decisão sobre o encerramento de escolas. “Eu não assisti, eu participei.” Em Maio foi contra e agora é totalmente a favor. Um dos argumentos para esta mudança de opinião está à sua frente todos os dias: a quantidade de doentes graves internados no serviço de infecciologia do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa. Temos todos de ser heróis, pede. Os pais e os filhos também.
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Maria João Brito corrige-nos quando lhe perguntamos como assistiu à hesitação e decisão sobre o encerramento de escolas. “Eu não assisti, eu participei.” Em Maio foi contra e agora é totalmente a favor. Um dos argumentos para esta mudança de opinião está à sua frente todos os dias: a quantidade de doentes graves internados no serviço de infecciologia do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa. Temos todos de ser heróis, pede. Os pais e os filhos também.
Como assistiu a estas hesitações sobre o fecho das escolas?
Eu não assisti. Eu participei. Relativamente ao conhecimento do vírus inicial nós estávamos todos muito bem documentados. Quando chegámos ao fim do confinamento em Maio, eu não tinha dúvidas e sempre assumi que as escolas eram para abrir. A transmissão de criança para criança era muito baixa. Também sempre alertei que a transmissão era diferente consoante os grupos etários. Mas fui uma acérrima defensora da abertura das escolas.
Agora já não?
Não. Agora disse precisamente o contrário quando o vírus inglês entrou em força e se disseminou. Disse logo que era urgentíssimo fechar as escolas porque o vírus estava em roda livre. Não era o mesmo vírus que estávamos a falar. E, portanto, era uma emergência fechar as escolas.
Parecia que se estava a contradizer…
Não são contradições. Nós temos que nos adaptar às dinâmicas da pandemia. Quanto temos um vírus que se comporta de uma maneira e agora temos uma mutação que se porta de outra, temos de mudar as nossas atitudes.
E agora? Temos de controlar isto antes de abrir as escolas?
As escolas vão ter de estar fechadas. O vírus não é o mesmo. Não imagina o que é o inferno que está a acontecer nos hospitais nesta altura. Não temos mais capacidade. Por mais que as pessoas se esforcem e se desdobrem e tentem tratar os seus doentes há um limite. Isto não é ilimitado. E, portanto, não são só as escolas, nada poderá voltar a abrir tão cedo, enquanto não tivermos a situação mais controlada. Acho que isto é do senso comum. Estamos a falar do mesmo vírus, mas que se comporta de uma forma muito diferente. E temos de encarar isso com seriedade e com dureza. Temos de poupar vidas. Não podemos continuar a ter cada vez mais mortos. Não podemos continuar assim.
O efeito também se sente no seu serviço, nas crianças? Como?
No ano passado, em Abril, também chegámos a ocupar um segundo piso. Chegámos a ter 18 doentes em simultâneos internados. Mas nessa altura não internávamos só doentes graves como agora fazemos. Estávamos no início da fase de contenção da pandemia. Depois também havia algum receio em relação aos grupos de risco e nós internávamos crianças que nós achávamos que faziam parte desses grupos, por exemplo crianças a fazer imunossupressão, com doenças crónicas graves… Hoje já temos um conhecimento diferente e já sabemos que esses não são os que são mais afectados. Os mais graves são, por exemplo, os obesos.
Porquê?
Porque o tecido celular subcutâneo, a gordura, tem muitos receptores onde entra o vírus. Os ACE onde entra o vírus estão no aparelho respiratório, mas também estão noutros órgãos. A gordura tem imensos desses receptores e o vírus tem nestas pessoas imensos sítios onde se replicar.
Mas agora os miúdos que tem internados são todos graves?
Sim, todos.
E há alguma faixa etária mais afectada?
Não. No serviço nesta altura há um bebé de 12 dias e a mais velha é um jovem de 17 anos.
Prevendo as escolas fechadas durante algum tempo, o que pode dizer aos pais? Algum conselho?
Aquilo que digo a todos é que precisam de arranjar estratégias. Vou-lhe dizer: não é nada fácil ter os miúdos em casa 24 horas. Mas é importante assegurar que eles não passam o dia todo em dispositivos electrónicos. É preciso fazer exercício físico, lerem, fazer um teatro, jogos de família. Agora, é preciso ter tempo para isso. Têm de tentar ter paciência e pensar que o que estamos a fazer é o melhor que podemos. Ouvimos dizer que os profissionais de saúde são os heróis. Não! Não se combate uma pandemia só com profissionais de saúde. Temos de ser todos. Os pais também podem ser heróis. E os filhos também. Mas, eu sei, não é fácil.