Hospitais estão a desperdiçar 25% das camas com doentes que não precisavam de estar internados
Dentro de uma semana, Portugal pode ultrapassar os 970 doentes internados em unidades de cuidados intensivos, segundo as estimativas da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares. Na enfermaria, o total de doentes pode chegar aos 8491, no dia 5 de Fevereiro.
“Entre os doentes que não deviam ser internados, e que o são não pela sua gravidade mas porque não têm em casa condições, e os que já poderiam voltar para as suas casas, temos cerca de 25% das camas hospitalares que estão a ser desperdiçadas”, diz o presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), João Araújo Correia.
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“Entre os doentes que não deviam ser internados, e que o são não pela sua gravidade mas porque não têm em casa condições, e os que já poderiam voltar para as suas casas, temos cerca de 25% das camas hospitalares que estão a ser desperdiçadas”, diz o presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), João Araújo Correia.
Num dia em que a Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) estima que, na próxima sexta-feira, 5 de Fevereiro, o país poderá somar entre 7610 e 8491 pessoas internadas em enfermaria e cuidados intensivos por causa da covid-19, aquele internista alerta para a realidade dos doentes que são internados – ou que o continuam a estar – por falta de alternativas. “Cerca de 18% das pessoas que são internadas, são-no pela simples razão de que não têm em casa condições para ficar e não pela sua gravidade”, começa por dizer, para acrescentar que “muitas camas hospitalares estão a ser desperdiçadas” também por doentes que “passam a fase grave mas que ainda estão positivos e que poderiam ir para casa se tivessem cuidadores”, para além dos que “até estão curados e tratados mas que não têm casa”.
Acrescem as situações dos doentes que vão ser transferidos para lares e para a rede de cuidados continuados ou paliativos, e até mesmo para zonas de enfermaria ‘não covid’, e que, se ao fim de dez dias de evolução clínica favorável e sem febre, continuarem a “testar positivo” estão obrigados pela norma 004/2020 da DGS a esperar mais dez dias pela alta hospitalar. “Mesmo ao fim desses 20 dias, muitas instituições continuam a exigir que estejam negativos, apesar de isso não estar previsto na norma. Ora, nós sabemos que estas pessoas, mesmo com um teste positivo, já não estão doentes nem infectantes”, diz João Araújo Correia, juntando-se ao coro dos especialistas que vêm reclamando a actualização dessa norma para que os doentes possam ser transferidos mais cedo. No total, conclui, “à volta de 25% das camas hospitalares estão ocupadas por pessoas que podiam estar noutro sítio”.
Numa altura em que, a confirmarem-se as estimativas da APAH, os doentes com covid-19 poderão dentro de uma semana estar a ocupar quase metade (entre 40% a 45%) das 18.600 camas de enfermaria existentes no SNS, numa proporção que qualifica como “assustadora”, o presidente da SPMI admite que a ajuda estrangeira, a chegar, poderá ser por via da criação de hospitais de campanha capazes de acolher os doentes menos graves. “Nós temos metade das camas por 100 mil habitantes do que tem a Alemanha. E, num Inverno normal, só com a gripe do costume, em que nos habituámos a ter doentes na urgência durante dias à espera de uma vaga no internamento, os serviços de medicina interna já aumentavam a sua capacidade em 30%, entre Dezembro e Maio. Agora não temos camas, ponto”, diz, atribuindo à “contínua redução de camas observada nos últimos dez anos” a explicação para o Governo ter chegado ao ponto de equacionar pedir ajuda ao estrangeiro.
As estimativas dos administradores hospitalares, obtidas através de uma ferramenta entretanto adoptada também pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e que visa ajudar os hospitais a prepararem-se para fazer face à evolução da pandemia, admitem que, dentro de uma semana, os doentes internados em cuidados intensivos tenham aumentado para um número que pode variar entre os 899 e os 972, consoante consideremos um acréscimo ou uma diminuição em 2% do Rt (índice de transmissão. Nesta sexta-feira, recorde-se, e numa altura em que muitos hospitais estão já sob fortíssima pressão, a Direcção-Geral da Saúde dá conta de 278 novas mortes por covid-19 (aumentando o total acumulado para 11.886 óbitos) e de um total de 6627 internados. Destes, 806 estavam em cuidados intensivos.
A confirmarem-se as previsões da APAH, mesmo as mais optimistas, o número de internados por covid-19 em cuidados intensivos está cada vez mais próximo do total – cerca de 1250 – de camas de cuidados intensivos disponíveis. E porque algumas terão de continuar reservadas para responder a outros doentes graves, como vítimas de AVC, acidentes ou enfartes, João Araújo Correia admite que muitos hospitais poderão ter de começar a colocar doentes ventilados nos blocos operatórios e respectivas salas de recobro. “Não será a mesma coisa que estar num espaço construído de raiz e rodeado de intensivistas ou internistas com experiência em cuidados intensivos, que não abundam e que não se formam com a rapidez que seria necessária, mas admito que possam ser criadas equipas mistas com recurso a anestesistas que, mercê da paragem dos blocos operatórios, terão outra disponibilidade.”