O Governo à procura de uma bóia
O que aconteceu nas últimas semanas é muito mais do que um abalo. É um terramoto. Aos olhos de uma boa parte dos cidadãos, o Governo falhou exactamente no domínio em que não podia falhar: na sua protecção.
Os erros assumidos pelo Governo na gestão da pandemia têm custos que vão muito para lá dos números trágicos que nos revoltam: têm um fortíssimo impacte na sua credibilidade. Era previsível que o acumular de problemas abalasse a estabilidade do executivo, mas o que aconteceu nas últimas semanas é muito mais do que um abalo. É um terramoto. Aos olhos de uma boa parte dos cidadãos, o Governo falhou exactamente no domínio em que não podia falhar: na sua protecção. Com esse fracasso, a sua legitimidade democrática não fica em causa; a confiança que se exige na relação entre governantes e governados, sim. António Costa vai ter de durar porque, como ele em tempos disse, “não se mudam generais no meio da batalha”. Ele será um general a caminhar sobre brasas.
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Os erros assumidos pelo Governo na gestão da pandemia têm custos que vão muito para lá dos números trágicos que nos revoltam: têm um fortíssimo impacte na sua credibilidade. Era previsível que o acumular de problemas abalasse a estabilidade do executivo, mas o que aconteceu nas últimas semanas é muito mais do que um abalo. É um terramoto. Aos olhos de uma boa parte dos cidadãos, o Governo falhou exactamente no domínio em que não podia falhar: na sua protecção. Com esse fracasso, a sua legitimidade democrática não fica em causa; a confiança que se exige na relação entre governantes e governados, sim. António Costa vai ter de durar porque, como ele em tempos disse, “não se mudam generais no meio da batalha”. Ele será um general a caminhar sobre brasas.
Desde o Verão que se pressentia que algo mudara. A assertividade deu lugar à hesitação. A segurança cedeu passo à intranquilidade. A confiança num imaginado controlo da situação abriu portas à imprevidência. Ninguém esperaria que num mês uma nova estirpe do vírus causasse a razia que vemos hoje. Ninguém foi capaz de acreditar no risco de colapso nos hospitais ou numa letalidade que, como dizia o ex-ministro socialista Adalberto Campos Fernandes, “envergonha qualquer governante”. A realidade é o que é. Nos julgamentos dos políticos contam sempre menos os contextos que explicam os erros do que os próprios erros. A nova estirpe do vírus ou o consenso dos partidos no Natal transformam-se em expedientes.
Neste estado de desgraça, a tolerância é muito menor. Entrámos na nuvem da descrença que prenuncia a crise. O “murro na mesa” de Rui Rio significa essa mudança. Uma avaria num frigorífico que destrói 600 vacinas passa a ser um monumento à incompetência. Uma ministra a associar intenções “criminosas” a quem denuncia falta de planeamento, um insulto. Haver militantes do PS com cargos públicos entre a horda de energúmenos que se pôs na fila da frente para a vacinação, a prova da podridão socialista. Mesmo que seja, o Governo não consegue parecer.
Para sobreviver ao ambiente de decrepitude, o Governo precisa de sangue novo. De uma remodelação – sem gente dos gabinetes. De rasgo. De insistir mais no que une os portugueses do que no que os divide – da mão protectora do Presidente. De mais pontes no Parlamento e menos dogmas. De coragem para cortar cerce os abusos – como o das vacinas que corrói a ideia de que estamos juntos neste desafio. É muita coisa, sem dúvida. Mas ou António Costa consegue sair do buraco em que caiu ou arrisca-se a um longo e penoso ocaso.