Covid-19: é preciso “aceitar que não se está bem” no novo confinamento, dizem especialistas
“Uma das dificuldades que temos é que conhecemos muito pouco da realidade, não sabemos bem o que aí vem e não sabemos bem quanto tempo dura”, diz presidente do Conselho de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos.
O novo confinamento, aliado a alterações das rotinas e do estilo de vida, vai agravar e prolongar o sofrimento psicológico dos adultos, prevêem os especialistas ouvidos pela Lusa, defendendo que é preciso “aceitar que não se está bem”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O novo confinamento, aliado a alterações das rotinas e do estilo de vida, vai agravar e prolongar o sofrimento psicológico dos adultos, prevêem os especialistas ouvidos pela Lusa, defendendo que é preciso “aceitar que não se está bem”.
O “grande problema” não é voltar a casa para um novo confinamento, mas sim a alteração de rotinas que têm prevalecido nos últimos meses, acredita Miguel Ricou, presidente do Conselho de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos. “Andamos a alterar rotinas e tentar recuperá-las há mais de dez meses”, referiu o psicólogo, salientando que o ser humano se “adapta por natureza” às circunstâncias, mas só o faz porque “conhece a realidade”.
“Uma das dificuldades que temos é que conhecemos muito pouco da realidade, não sabemos bem o que aí vem e não sabemos bem quanto tempo dura”, afirmou. Perante isto, “é fundamental aceitarmos que não nos vamos sentir tão bem nesta altura”. “Temos de aceitar que andamos mais nervosos, mais tristes às vezes, mais irritados, mais tensos e que isso é normal”, referiu.
As mudanças no estilo de vida das pessoas permanecem e é expectável que “agravem” a condição psicológica dos adultos, defendeu a psicóloga Inês Guimarães. “A quarentena e o isolamento vão agravar o sofrimento psicológico, porque vão mexer com algumas facetas importantes da saúde mental, como a liberdade pessoal e os nossos movimentos no dia-a-dia”, explicou.
O “prolongamento” do confinamento, aliado à “incerteza do momento” serão “causadores de ansiedade nas pessoas”, considerou Irene Carvalho, psicóloga e docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP). “Uma coisa é termos um horizonte próximo que sabermos que termina. Outra, é termos um horizonte próximo que se alarga indefinidamente sem sabermos quando será o fim”, salientou.
Sintomas depressivos, ansiosos e, em alguns casos, de stress traumático são algumas das mazelas que os especialistas admitem que se intensifiquem. Em particular, naqueles que viram o seu rendimento reduzido ou que ficaram sem emprego, salientou Irene Carvalho, advertindo que para essas pessoas, estar confinado é “extraordinariamente ansioso”.
A par das perdas financeiras, a disrupção do dia-a-dia, a perda de liberdade, as perturbações de sono e o sedentarismo também poderão ser “factores de risco para um bem-estar emocional e para a doença mental”, disse Inês Guimarães.
Para "mitigar os efeitos negativos”, Irene Carvalho considera desejável que se tentem manter algumas rotinas, ainda que isso “não assegure que as pessoas não vivam a situação com grande ansiedade, frustração e desgaste”. Para Miguel Ricou, manter as rotinas é importante, primeiro porque “ajuda a gerir o tempo” e, depois, porque “nos distraem de nós próprios”.
Inês Guimarães salientou a importância de se manter uma “conexão com os outros”, sejam amigos ou familiares. “Distanciamento social não significa necessariamente distanciamento emocional”, reforçou a psicóloga, apontando a necessidade de se procurar “manter algum grau de perspectiva”, especialmente quanto à socialização. “As pandemias, embora possam ter alguma duração, historicamente acabaram”.
E quando acabar a pandemia, será que vamos voltar a socializar sem barreiras? “A história diz-nos que, em princípio, sim”, referiu Irene Carvalho, investigadora do Cintesis. Também Miguel Ricou acredita nessa possibilidade, especialmente, porque pertencemos a um país onde o clima é mais quente e as pessoas “são fisicamente conectadas”. Inês Guimarães também não duvida disso, mas avisa que para um processo “gradual”.