Ucrânia investiga “interferência nos EUA” por aliados de Rudolph Giuliani
Ucranianos sancionados pelos EUA foram acusados de organizarem uma campanha clandestina “centrada na criação de narrativas falsas sobre responsáveis norte-americanos”. No centro do grupo está um deputado que os EUA dizem ser “um agente russo”, e que colaborou com o advogado pessoal de Donald Trump.
O chefe de gabinete da presidência ucraniana anunciou, esta quinta-feira, que as autoridades do país estão a investigar acusações de interferência na eleição presidencial dos EUA, que ficou marcada por uma tentativa de ligar o novo Presidente norte-americano, Joe Biden, a crimes de corrupção na Ucrânia.
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O chefe de gabinete da presidência ucraniana anunciou, esta quinta-feira, que as autoridades do país estão a investigar acusações de interferência na eleição presidencial dos EUA, que ficou marcada por uma tentativa de ligar o novo Presidente norte-americano, Joe Biden, a crimes de corrupção na Ucrânia.
Numa entrevista ao site ucraniano NV, Andrii Iermak disse que o país “fará tudo o que estiver ao seu alcance para entregar à justiça quaisquer forças, dentro e fora do país, que tenham tentado prejudicar as relações entre a Ucrânia e os Estados Unidos”.
Em causa está um grupo de dez ucranianos, próximos do Governo russo, que foram sancionados pelos EUA nos últimos meses, ainda durante a Administração Trump.
O principal é Andrii Derkach, um deputado do Parlamento ucraniano que esteve sempre ligado ao Partido das Regiões de Viktor Ianukovitch – o antigo Presidente da Ucrânia, pró-russo, que foi deposto em 2014.
Em Setembro do ano passado, o Departamento do Tesouro dos EUA aplicou sanções a Derkach e a outros dois ucranianos, acusando-os de terem tentado interferir na eleição presidencial norte-americana.
Na mesma altura, Washington descreveu Derkach como “um agente russo no activo há mais de uma década”.
Mais recentemente, no dia 11 de Janeiro, outros sete ucranianos foram postos na lista de sanções dos EUA, incluindo Andrii Telizhenko (um antigo funcionário da embaixada da Ucrânia em Washington) e Kostantin Kulik (um dos investigadores do Ministério Público ucraniano que trabalhou com o polémico procurador-geral Viktor Shokin, despedido em 2016).
Sem nunca referir os nomes de Donald Trump e Joe Biden, o Tesouro norte-americano acusou a Rússia de “usar uma vasta gama de métodos e de protagonistas para interferir no processo eleitoral dos EUA, tendo como alvos candidatos presidenciais”.
“Desde pelo menos finais de 2019, Derkach liderou uma campanha clandestina centrada na criação de narrativas falsas sobre responsáveis norte-americanos, tendo em vista a eleição presidencial que se aproxima”, disse, em Setembro, o então secretário do Tesouro dos EUA, Steve Mnuchin.
Teoria da conspiração
As duas levas de sanções norte-americanas foram aplicadas ainda durante a Administração Trump, e numa altura em que o próprio Presidente dos EUA alimentava a teoria da conspiração que Andrii Derkach e os seus associados ajudaram a criar.
Um dos principais interlocutores de Derkach foi Rudolph Giuliani, advogado pessoal de Trump e figura central nos acontecimentos que levaram ao primeiro processo de destituição do ex-presidente dos EUA, em finais de 2019.
Os dois trabalharam em conjunto na obtenção e divulgação de informações que poderiam prejudicar o então candidato do Partido Democrata à eleição presidencial, através do seu filho, Hunter Biden. Derkach e Giuliani surgiram várias vezes juntos em público, incluindo em entrevistas ao canal norte-americano OANN.
Durante meses, em 2019 e 2020, Trump, Giuliani e vários políticos do Partido Republicano propagaram a ideia de que Joe Biden tinha chantageado o Governo ucraniano de Petro Poroshenko, em 2016, para obter a demissão do então procurador-geral ucraniano, Viktor Shokin.
Segundo essa narrativa, Shokin teria sido afastado, em Março de 2016, porque estava a investigar suspeitas de corrupção na empresa ucraniana Burisma, que tinha contratado para os seus quadros, em 2014, o filho de Joe Biden.
Num vídeo gravado em 2018, numa conferência pública, Joe Biden conta que ameaçou travar um empréstimo de mil milhões de dólares à Ucrânia, em 2016, se o procurador-geral Shokin não fosse afastado.
Durante a campanha eleitoral, Biden confirmou que reteve o empréstimo norte-americano para pressionar o Governo ucraniano a despedir o antigo procurador-geral, e o seu filho disse que cometeu “um erro de julgamento” ao aceitar a proposta de trabalho na Burisma quando o seu pai era o vice-presidente dos EUA.
Ao contrário do que Trump e Giuliani partilharam nas redes sociais e nas televisões norte-americanas durante grande parte de 2020, o procurador-geral ucraniano que acabou por ser despedido após a ameaça de Joe Biden já era acusado, na Ucrânia e no estrangeiro – incluindo por senadores do Partido Republicano – de bloquear as investigações anti-corrupção, incluindo na empresa Burisma.
No ano passado, os senadores do Partido Republicano investigaram as acusações contra Joe Biden e não encontraram provas de quaisquer casos de corrupção ou outros crimes, além de dizerem que Hunter Biden ganhou milhões de dólares na sua relação profissional com a Burisma.
Foram as acusações de corrupção contra a família Biden que estiveram na origem do primeiro processo de destituição contra o ex-presidente Trump.
Em Julho de 2019, Trump pressionou o Presidente ucraniano, Volodimir Zelinskii, a anunciar a abertura de investigações às acusações de corrupção contra Joe Biden e Hunter Biden, promovidas por Giuliani, ameaçando não desbloquear um pacote de 250 milhões de dólares em equipamento militar de que o país precisava para manter a guerra contra os separatistas pró-russos.
Trump viria a ser acusado na Câmara dos Representantes, em Dezembro de 2019, de abuso de poder e obstrução do Congresso; e seria absolvido no julgamento, no Senado, em Fevereiro de 2020.
O ex-presidente dos EUA foi alvo de um segundo impeachment, no dia 13 de Janeiro, por “incitameno a uma insurreição”, e vai começar a ser julgado a partir do dia 9 de Fevereiro.