Covid-19: A dependência do fornecimento chinês tornou Bolsonaro mais amigável

O Governo brasileiro sempre alinhou de perto com a hostilidade de Trump face à China. Agora, tornaram-se parceiros na vacinação contra a covid-19.

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Produção da Coronavac no Instituto Butantan, em São Paulo AMANDA PEROBELLI / Reuters

Há menos de um ano, o então ministro da Educação brasileiro, o polémico Abraham Weintraub, publicava na sua conta de Twitter uma mensagem racista em que responsabilizava o Governo chinês pela pandemia da covid-19. Weintraub, que sempre fora o mais estridente bolsonarista entre os membros do Governo, estava apenas a verbalizar toscamente a hostilidade que o Presidente Jair Bolsonaro promovia em relação à China e que se tornou um fundamento da sua política externa. Tudo mudou com a vacina.

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Há menos de um ano, o então ministro da Educação brasileiro, o polémico Abraham Weintraub, publicava na sua conta de Twitter uma mensagem racista em que responsabilizava o Governo chinês pela pandemia da covid-19. Weintraub, que sempre fora o mais estridente bolsonarista entre os membros do Governo, estava apenas a verbalizar toscamente a hostilidade que o Presidente Jair Bolsonaro promovia em relação à China e que se tornou um fundamento da sua política externa. Tudo mudou com a vacina.

O Brasil dispõe apenas de duas fontes de vacinas actualmente: a Astrazeneca, desenvolvida em parceria com a Universidade de Oxford, e a chinesa Sinovac, que tem um protocolo com o Instituto Butantan, em São Paulo. A ausência de um esforço coordenado para aumentar o portefólio de imunizantes adquiridos – o Governo rejeitou uma oferta de 70 milhões de doses da Pfizer – está a deixar o Brasil altamente dependente do fornecimento destes dois laboratórios. Até agora, o país que pretende vacinar perto de 150 milhões para alcançar a imunidade de grupo distribuiu apenas seis milhões de doses e enfrenta adiamentos sucessivos de envio de doses.

Como sinal de que novas encomendas poderão tardar – especialmente tendo em conta os problemas de produção que a AstraZeneca tem dito estar a sofrer e que estão a comprometer o fornecimento à União Europeia, por exemplo –, as autoridades sanitárias de São Paulo vão avançar com a vacinação do maior número de pessoas possível, sem guardar uma reserva para ser administrada como segunda dose.

Nesse contexto, o Governo federal percebeu que terá se reaproximar da China, que é hoje a principal potência na batalha geopolítica da vacinação global. Esta semana, a Sinovac disse que irá disponibilizar brevemente material para que o Butantan possa dar início à produção própria da vacina, mas serão necessárias muitas mais encomendas no futuro.

O anúncio foi feito pelo próprio Bolsonaro, que o fez acompanhar de uma fotografia em que aparece ao lado do Presidente chinês, Xi Jinping, a segurar um casaco do Flamengo. “Agradeço a sensibilidade do Governo chinês”, escreveu Bolsonaro, num tom muito distante daquele que até há pouco tempo empregava para criticar a “vachina”, referindo-se à Coronavac.

O Brasil também aguarda o envio de dez milhões de doses da vacina da Astrazeneca fabricadas na Índia. O Governo brasileiro chegou a enviar um avião para Bombaim para trazer a encomenda, em meados de Janeiro, mas foi obrigado a voltar para trás depois de as autoridades indianas terem dito que era uma precipitação. A entrega dos primeiros dois milhões de doses aconteceu com uma semana de atraso, na última sexta-feira.

Esta semana, Bolsonaro marcou presença nos festejos do Dia da República, o mais importante feriado nacional indiano, na embaixada e elogiou as relações entre os dois países. “Realmente, cada vez mais a Índia se torna um país irmão do Brasil”, afirmou o Presidente brasileiro no seu discurso.

O diplomata reformado Roberto Abdenur, com 45 anos de experiência no Ministério dos Negócios Estrangeiros, diz que “há factores técnicos e burocráticos” que explicam parcialmente o atraso do envio das substâncias necessárias para a produção da vacina no Brasil. “Em cima disso, existe o ingrediente de mal-estar dos dois países com o Governo brasileiro devido aos erros cometidos nesses primeiros dois anos”, afirmou o diplomata à BBC Brasil.

Também o filho mais novo de Bolsonaro, o senador Eduardo Bolsonaro, que é presidente da Comissão de Relações Externas do Senado, chegou a fazer acusações de espionagem à China, relacionada com a tecnologia 5G. Os comentários mereceram reparos da embaixada chinesa em Brasília.

Há muito que a postura hostil de Bolsonaro perante a China – seguindo, sob vários moldes, a cartilha de política externa da Administração de Donald Trump – era criticada pelos sectores com experiência diplomática, que consideravam pouco razoável antagonizar o principal parceiro comercial do Brasil.