Porque é que acorrentamos cães? Donos também precisam de ser educados
Mazelas incluem correntes incrustadas na pele dos animais e lesões irreversíveis. Polícia deve ser processada, quando se recusa a actuar, defende jurista.
Dão cabo dos sofás, roem as plantas, destroem tudo o que lhes aparece à frente. Fogem dia sim, dia não. As justificações para acorrentar um cão podem ser muitas, mas quem o faz também precisa de ser educado e de perceber que está a cometer um crime de maus tratos, defenderam nesta quarta-feira vários participantes de um webinar dedicado ao tema.
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Dão cabo dos sofás, roem as plantas, destroem tudo o que lhes aparece à frente. Fogem dia sim, dia não. As justificações para acorrentar um cão podem ser muitas, mas quem o faz também precisa de ser educado e de perceber que está a cometer um crime de maus tratos, defenderam nesta quarta-feira vários participantes de um webinar dedicado ao tema.
Além das mazelas físicas inerentes ao acorrentamento, esta prática causa aos animais – habitualmente cães – um sofrimento psicológico que pode manter-se mesmo depois de o cativeiro terminar, explicou o provedor dos Animais de Almada, Nuno Paixão. No que respeita aos danos corporais, este veterinário descreveu patologias que vão desde coleiras incrustadas na pele – por terem sido postas quando o animal ainda era pequeno e nunca mais terem sido retiradas, causando lesões irreversíveis, porque o fluxo sanguíneo não chega devidamente ao cérebro – até meningites, hérnias cervicais e lesões na traqueia, na coluna e nos ossos, nas situações em que a corrente excede 10% do peso da vítima.
Além disso, o animal preso fica incapaz quer de se defender, no caso de ser atacado por outros bichos, quer de escapar a catástrofes, como inundações ou incêndios.
No abrigo de Santo Tirso, onde pereceram carbonizados mais de sete dezenas de animais no Verão passado, além de trancados em jaulas, havia gatos que estavam simultaneamente presos a correntes, descreveu a deputada do PAN Inês Sousa Real. “A GNR fechou os olhos à agonia em que estavam”, acusou, o que levou este partido a apresentar uma queixa-crime contra o Estado português. “O processo tem estado praticamente parado”, lamentou a parlamentar.
O acorrentamento também torna as vítimas mais vulneráveis aos atacantes de duas patas. Fundadora do movimento Quebr’a Corrente, responsável pela organização deste webinar, Tânia Mesquita contou o caso de um cão de oito anos de idade acorrentado em Coina a quem humanos queimaram os olhos: “O animal não via. Tinha os olhos todos ensanguentados.”
Ao contrário de outras organizações empenhadas na luta pelos direitos dos animais, este movimento não recorre à chamada “acção directa”, esclareceu a advogada Vanessa Arrobas. “A nossa actuação não passa por resgatarmos os animais, mas por ajudarmos as famílias a criarem condições [para os libertarem das grilhetas]”, explica. Às vezes basta uma vedação que pode não haver dinheiro para comprar. Mas, acima de tudo, disseram os participantes no encontro, é preciso ensinar os detentores dos animais – e já agora também as autoridades, quer as polícias, quer os operadores judiciários – que acorrentar um animal é maltratá-lo, cometer um crime, mesmo que isso não esteja escrito preto no branco na lei. Se estivesse, até podia dar mau resultado, avisa a representante do PAN: “Podia levar ao aumento do abandono.”
“As pessoas ainda não estão suficientemente educadas”, considera o provedor de Almada, “embora no fundo saibam que esta não é a melhor forma de lidar com o animal”. Quando relegam um cão para o fundo do quintal, é para acalmarem a consciência, observa: longe da vista, longe do coração. Mas sendo este um ser social, que gosta de interagir com os da sua e de outras espécies, este afastamento tem consequências pesadas. “Quando passa a vida sozinho, começa a desenvolver comportamentos compulsivos.” Se esse sofrimento psicológico pode ser medido e contribuir para agravar uma eventual punição dos donos, é assunto sobre o qual não há unanimidade.
A professora de Direito Penal e activista Conceição Valdágua pensa que sim, pelo menos nas situações em que o sofrimento psicológico causado pelos maus tratos “gera febre, diarreia e outras manifestações físicas”. Para esta jurista, a polícia não precisa de mandado judicial para entrar no domicílio de quem comete este tipo de crime, uma vez que existe um flagrante delito e que estamos perante um delito que prevê pena de prisão. “Existe uma ignorância atroz e inadmissível das autoridades, quando se recusam a actuar nestas situações”, critica. “Quando isso acontece, também lhes devem ser instaurados processos-crime, da mesma forma que aos detentores dos animais, uma vez que também estão a cometer maus tratos por omissão.”