A prática da teoria: um imperativo
Há mais de cem anos que sabemos calcular o tamanho esperado numa fila de espera num serviço usando informação tão acessível como: a distribuição das chegadas a um serviço, a distribuição do tempo de atendimento e o número de postos de atendimento.
Face aos últimos acontecimentos no país é necessário refletir sobre duas áreas interdisciplinares do conhecimento, próximas de diversos Nobel da economia, que nos devem ajudar a compreender e moldar os impactos da pandemia. Refiro-me à teoria da decisão – ao interpretarmos, por exemplo, as medidas relacionadas com o confinamento; e à investigação operacional – ao avaliarmos, nomeadamente, a organização das últimas eleições antecipadas, na semana passada.
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Face aos últimos acontecimentos no país é necessário refletir sobre duas áreas interdisciplinares do conhecimento, próximas de diversos Nobel da economia, que nos devem ajudar a compreender e moldar os impactos da pandemia. Refiro-me à teoria da decisão – ao interpretarmos, por exemplo, as medidas relacionadas com o confinamento; e à investigação operacional – ao avaliarmos, nomeadamente, a organização das últimas eleições antecipadas, na semana passada.
Em ambas as áreas necessitamos de uma melhor interligação entre o que já sabemos de anos de teoria e a prática das políticas públicas.
Decidir sob incerteza implica planeamento
Face à incerteza, os decisores políticos podem adotar uma postura binária. Por um lado, podem assumir que o mundo é certo, e, portanto, passível de previsões precisas sobre o futuro, ou, por outro lado, é incerto e completamente imprevisível.
Sobre a primeira postura é importante lembrar que a única coisa certa sobre uma previsão é poder estar errada. Sobre a segunda postura, há dois tipos de risco que interessa referir. Os decisores, ao assumirem a completa imprevisibilidade dos acontecimentos, podem abandonar a vertente analítica dos processos de planeamento e basearem as decisões somente no instinto. Dificilmente, esta abordagem pode levar a boas decisões estratégicas e é, normalmente, conducente a avanços e recuos. Outro risco é o da não-decisão. Face a uma envolvente tão incerta, os decisores não confiam nem nos números, nem nos instintos e acabam por se refugiar em temas menores que se afastam dos assuntos importantes.
Entre as duas posturas, achar que se controla o futuro ou assumir que este é completamente imprevisível, há uma terceira postura. Nesta os decisores equilibram o conhecimento que têm sobre os fenómenos em avaliação com a noção que o seu instinto não será suficiente para tomar as melhores decisões. Esta postura implica, a priori, o aprofundamento de cenários que, à primeira vista, podem parecer em vão. Contudo, com o desenrolar dos acontecimentos, esse trabalho invisível dá os seus frutos. Assim, quando, por exemplo, é necessário fechar escolas de um dia para o outro ou alternar o fornecedor principal de vacinas contra o covid-19, cenários que deveriam estar equacionados tornam possível atuar com rapidez e precisão.
Planear para o sucesso implica reconhecer a incerteza
Há mais de cem anos que sabemos calcular o tamanho esperado numa fila de espera num serviço usando informação tão acessível como: a distribuição das chegadas a um serviço, a distribuição do tempo de atendimento e o número de postos de atendimento. Mesmo em realidades mais complexas, como nos casos em que são necessárias múltiplas etapas no atendimento ou onde há limitação ao número de pessoas na fila, a investigação operacional oferece métodos fiáveis para se prever a performance destes serviços.
Um dos corolários mais interessantes do estudo de filas de espera é a compreensão que uma pequena perturbação pode alterar completamente o seu funcionamento. Por exemplo, se alterarmos o tempo fixo de uma consulta médica de dez minutos para um tempo variável entre cinco a quinze minutos, o tempo de espera entre consultas vai ser, inevitavelmente, maior. Estes resultados mostram a nossa limitação, como tomadores de decisão, em compreender a forma como a incerteza se reflete à nossa volta.
Neste contexto, podemos escolher ignorar todo este conhecimento sobre filas de espera, como parece ter acontecido no dia das eleições antecipadas impulsionadas pela pandemia. Alternativamente, devemos usar os métodos de investigação operacional para prever e planear os serviços prestados aos cidadãos e aplicá-los no nosso dia a dia. As filas nas eleições antecipadas são só um exemplo do que pode ser previsto e acautelado. Nos dias de hoje, a importância desta área do conhecimento aplica-se a muitos outros casos como a distribuição e administração das vacinas, ou a escolha dos horários de funcionamento dos diferentes estabelecimentos de negócio.