As pessoas vacinadas têm de manter o distanciamento. Eis a razão

Protecção das vacinas não é imediata e pode demorar entre uma ou duas semanas, pelo menos, após as duas doses. Por outro lado, permanece ainda a grande dúvida sobre a possibilidade de as pessoas vacinadas que forem infectadas poderem transmitir o vírus a outras.

Foto
REUTERS/Dado Ruvic/Illustration

“A arma que acabará com a guerra”, “Um véu de protecção sobre o país”, “A nossa luz ao fundo do túnel”, estas são algumas das promissoras mensagens que acompanharam a chegada das vacinas contra a infecção por SARS-CoV-2. No entanto, embora as vacinas sejam um passo crítico para abrandar a propagação de um vírus que já causou mais de dois milhões de mortes em todo o mundo, os especialistas têm alertado repetidamente que ser vacinado não significa um regresso imediato à vida pré-pandémica.

“Há muitas pessoas que pensam que é uma espécie de antídoto para tudo isto e que, uma vez vacinados, não terão de mascarar ou distanciar-se ou qualquer uma dessas coisas”, refere Namandje Bumpus, professora de farmacologia e ciências moleculares na Universidade Johns Hopkins (Estados Unidos), que tem participado em campanhas comunitárias sobre as vacinas. “Certamente, todos nós, ao sermos vacinados, nos encaminhamos para isso mais rapidamente, mas não é algo que possamos fazer assim que formos vacinados. Vamos ter de continuar a ser diligentes da mesma forma como temos sido.”

Até agora, mais de 1,6 milhões de pessoas nos Estados Unidos foram totalmente vacinadas, de acordo com o localizador do jornal The Washington Post. Mas as autoridades de saúde pública dizem que pelo menos 70% da população precisa de ser inoculada para que o país alcance a imunidade de grupo e pare a propagação do vírus. E com o vírus a continuar a propagar-se rapidamente por grande parte do país [e pelo mundo], muitas formas de socialização implicam algum nível de risco, incluindo reuniões entre pessoas que estão totalmente vacinadas, alerta Paul Sax, director clínico da Divisão de Doenças Infecciosas do Brigham and Women's Hospital em Boston.

“Sinto que uma reunião de um pequeno número de pessoas onde todos são vacinados é uma situação muito mais segura – muito – do que era antes de termos vacinas”, admite Paul Sax. “A única coisa que as pessoas querem ouvir, no entanto, é: ‘É 100% seguro?’ E ainda não temos provas disso.”

Namandje Bumpus concorda. “Com base na ciência e na forma como as vacinas funcionam, é provável que isso acabe por ser de menor risco. Mas neste momento, simplesmente não sabemos”, confirma a investigadora.

E esta é a razão que leva os especialistas a defender que as pessoas vacinadas devem continuar a seguir as medidas de segurança do coronavírus, pelo menos por enquanto – mesmo à volta de outras pessoas que foram vacinadas.

Protecção não é imediata ou garantida

Os ensaios clínicos demonstraram que os regimes de vacina de duas doses da Pfizer-BioNTech e da Moderna são ambos altamente eficazes na prevenção da doença do vírus, mas não oferecem protecção instantânea e completa, disse Onyema Ogbuagu, principal investigador do ensaio da vacina Pfizer na Universidade de Yale. “Não conheço nenhuma vacina que proteja uma pessoa no mesmo dia em que a recebe”, acrescentou.

Normalmente demora uma semana após a segunda dose para que a vacina Pfizer-BioNTech atinja uma eficácia de 95%. A eficácia da vacina Moderna chega a 94% duas semanas após a segunda dose. Isto significa que, mesmo que tome as suas duas doses como previsto e espere o tempo apropriado, ainda há uma pequena possibilidade de ser infectado e desenvolver sintomas, disse Ogbuagu.

“A nível populacional, 95% de eficácia ainda se traduz em cinco em cada 100, ou 50 em cada 1000, ou 500 em cada 10.000 pessoas vacinadas que permanecem vulneráveis a doença sintomática e talvez ainda mais com infecção assintomática”, escreveu Onyema Ogbuagu num email.

A grande dúvida: a transmissão

Há ainda questões por responder sobre se as pessoas vacinadas podem transmitir o vírus – uma grande preocupação entre os especialistas em saúde pública e doenças infecciosas, uma vez que o país se debate [e o mundo] com um surto de infecções e com uma implementação lenta da vacina.

“Os peritos precisam de compreender mais sobre a protecção que as vacinas covid-19 proporcionam antes de decidirem alterar as recomendações sobre as medidas que todos devem tomar para retardar a propagação do vírus que causa a covid-19”, referem os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos nas suas “perguntas frequentes” sobre a vacinação. “Outros factores, incluindo quantas pessoas são vacinadas e como o vírus se está a propagar nas comunidades, também vão afectar esta decisão.”

Os cientistas estão ainda a tentar recolher mais dados sobre a forma como as vacinas afectam a transmissão. É possível que as pessoas que são vacinadas possam ser expostas ao coronavírus e tornar-se portadoras sem o saber, disse Joshua Barocas, um médico de doenças infecciosas do Centro Médico de Boston (Estados Unidos). Pessoas sem sintomas transmitem mais de metade de todos os casos do coronavírus, de acordo com os resultados de um modelo dos CDC publicado este mês.

O vírus também pode por vezes ficar nas narinas de uma pessoa depois de esta ser exposta, disse Joshua Barocas. Depois, basta apenas um espirro inoportuno para potencialmente o transmitir. “O que estamos a tentar fazer é quebrar as cadeias de transmissão”, afirma o especialista. “Se você e eu estamos ambos a usar uma máscara e a ter distanciamento social quando estamos juntos, o que isso significa é que mesmo que eu esteja a transportar o vírus comigo, ele morre comigo.”

Calcular o risco

Embora seja provável que as reuniões de pessoas vacinadas sejam de menor risco do que as de pessoas não vacinadas, tais cenários implicam muitas cautelas, afirma Aditya Shah, especialista em doenças infecciosas da Clínica Mayo em Rochester, no Minnesota (Estados Unidos). Até que ponto as pessoas vacinadas estão a seguir medidas de saúde pública na sua vida quotidiana? Será que alguma destas pessoas vive com um indivíduo vulnerável com maiores probabilidades de desenvolver uma infecção grave?

“O problema com este vírus é que é incrivelmente contagioso e é muito facilmente transmissível”, disse Aditya Shah. “Temos visto casos de exposições mínimas com as pessoas a serem infectadas a partir daí.”

Embora existam situações específicas em que as pessoas podem saber que têm uma hipótese muito pequena de passar o vírus a qualquer outra pessoa, calcular o risco de qualquer interacção presencial durante a pandemia pode muitas vezes implicar “muito esforço de raciocínio e muita compreensão de toda a sua rede social e nem toda a gente tem tempo ou capacidade para isso”, acrescenta o especialista em doenças infecciosas. “É difícil saber realmente qual é a extensão do seu impacto e da sua bolha”, conclui.

Medidas temporárias

Ainda assim, os peritos estão a encorajar as pessoas a manterem a esperança e a darem prioridade à vacinação, enfatizando que as recomendações para continuar a seguir as medidas de saúde pública são temporárias. “Estamos todos cansados e em risco de esgotamento”, reconhece Joshua Barocas. “O objectivo não é dizer: ‘Não se pode absolutamente encontrar com as pessoas.’ É dizer: ‘Vamos continuar a fazer as coisas que sabemos que reduzem o risco o melhor possível.’”

Joshua Barocas acrescentou que os especialistas estão “humildemente a pedir um pouco mais de tempo para darem novas recomendações sobre as coisas que podem vir a mudar”. A investigação destinada a compreender melhor as vacinas contra o coronavírus disponíveis publicamente está em curso, adianta ainda Robert Atmar, professor de medicina na Divisão de Doenças Infecciosas no Baylor College of Medicine em Houston (Estados Unidos). Entretanto, este perito – que recentemente completou o seu mandato como membro do Comité Consultivo sobre Práticas de Imunização do CDC – incita as pessoas a pensar em protegerem-se a si próprias e aos outros.

“A curto prazo, a vida terá de continuar muito semelhante ao que foi até agora, pelo menos, até que muito mais pessoas da sociedade tenham tido a oportunidade de ser vacinadas”, avisa Robert Atmar. Mas, acrescentou, aqueles que receberam as suas vacinas “deram um passo para nos aproximar a todos daquela luz ao fundo do túnel e voltar a ter uma certa sensação de normalidade”.