Os colunistas do PÚBLICO
Três leitores questionam os critérios que presidem à escolha de políticos no activo para colunistas regulares do PÚBLICO e referem, designadamente, os casos de Paulo Rangel, destacado dirigente do PSD, e de Pedro Filipe Soares, presidente do grupo parlamentar do BE.
Luís Taylor, do Porto, começa por afirmar que “(…) não é aceitável manter um comentador que não o é, porque actua como um mero profissional de propaganda a favor de uma das linhas políticas do seu partido (PSD). Refiro-me a Paulo Rangel. Entre as pseudo-análises políticas deste militante e o comentário político credível que o leitor pretende encontrar no jornal não há qualquer semelhança. (…) É bom que o PÚBLICO não tenha dado igual destaque a militantes de cada um dos outros maiores partidos, excepto ao Bloco de Esquerda”, escreve o leitor, antes de concluir: “Seria de esperar (…) a descontinuação desta folha partidária que inunda uma página inteira do jornal.”
A verdade faz-nos mais fortes
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Luís Taylor, do Porto, começa por afirmar que “(…) não é aceitável manter um comentador que não o é, porque actua como um mero profissional de propaganda a favor de uma das linhas políticas do seu partido (PSD). Refiro-me a Paulo Rangel. Entre as pseudo-análises políticas deste militante e o comentário político credível que o leitor pretende encontrar no jornal não há qualquer semelhança. (…) É bom que o PÚBLICO não tenha dado igual destaque a militantes de cada um dos outros maiores partidos, excepto ao Bloco de Esquerda”, escreve o leitor, antes de concluir: “Seria de esperar (…) a descontinuação desta folha partidária que inunda uma página inteira do jornal.”
Carlos Antunes, da Parede, considera que “o problema surge quando os ‘políticos profissionais’ são entronizados como ‘comentadores’, com rubricas permanentes no jornal, como se um profissional da política fosse naturalmente capaz de se alhear dos seus interesses partidários, tomar as devidas distâncias e analisar serenamente a actualidade nacional, internacional ou estrangeira. A grande confusão é que tudo isto é considerado ‘opinião’, quando importa fazer uma destrinça fundamental entre ‘tribuna de opinião’ (que é o que estes políticos profissionais fazem, como é por demais evidente no mau exemplo de Paulo Rangel, incapaz de despir as suas vestes partidárias) e ‘análise política'”, a qual, na opinião do leitor, é uma “rubrica regular em que jornalistas ‘seniores’ do próprio jornal ou personalidades fora do espectro político-partidário e de reconhecido mérito perspectivam um tema ou situação”.
Ainda sobre os textos de opinião de políticos no activo escreve o leitor António Monteiro Fernandes: “Confesso que não consigo entender a transposição de conteúdos próprios de jornais de partido – seja, rigorosamente, qual for – para as páginas de um órgão de referência como o PÚBLICO. É certo que a filiação dos autores é sempre escrupulosamente indicada, ninguém é enganado. (Mas) devo confessar que a previsibilidade desses conteúdos me leva a passar adiante sem os ler.”
O leitor conclui com uma interrogação: “Que sentido tem, pois, a sistemática concessão de amplos espaços de opinião a pessoas que antecipadamente se sabe o que vão opinar?”
Transmiti estas reflexões ao director do jornal, Manuel Carvalho, que as pondera nos seguintes termos: “O PÚBLICO selecciona os seus colunistas regulares de acordo com dois critérios fundamentais: o valor intrínseco dos seus textos, que abrange a qualidade da escrita até à sintonia com a actualidade; e a preocupação em manter no jornal uma diversidade de opiniões que garanta o pluralismo e o confronto de ideias indispensável ao debate democrático.
Aceitamos por isso a pertinência do reparo dos leitores à inclusão no painel de colunistas regulares de personalidades com cargos ou funções activos na política partidária. Porque percebemos o risco de esses colunistas usarem o espaço do jornal para veicularem mensagens partidárias, eventualmente contaminadas pela propaganda ou por legítimos interesses pessoais ou das suas organizações. De resto, não se conhecem exemplos na imprensa de referência europeia de colunas regulares a políticos no activo – uma originalidade portuguesa particularmente nítida nas televisões. É por isso que, na sequência desse alerta dos leitores, a Direcção Editorial se compromete a analisar esta questão com a profundidade e sensibilidade que ela merece. E a comunicar aos seus leitores as suas conclusões e respectivos fundamentos.”
O provedor, à semelhança dos leitores, fica naturalmente a aguardar as decisões da Direcção do PÚBLICO sobre esta matéria.
José Sócrates e a Imprensa
O leitor José Sócrates dirigiu ao provedor um protesto que se sintetiza em duas partes. Na primeira, o leitor afirma que “o jornalismo português, durante os últimos seis anos, nada publicou que pudesse pôr em causa a posição do Ministério Público” no processo Marquês.
O provedor não pode, naturalmente, pronunciar-se em abstracto sobre a atitude da Imprensa nesta matéria e naquele espaço de tempo.
Na segunda parte, José Sócrates contesta, em concreto, o título do artigo “Justiça pondera perdoar a ghostwriter de Sócrates violação de exclusividade académica”, da autoria da jornalista Ana Henriques, publicado na edição do PÚBLICO de 9 de Janeiro de 2021.
Enderecei o protesto do leitor para a jornalista pedindo-lhe os factos em que fundamentou a afirmação escritor fantasma, que consta no título do seu artigo.
Ana Henriques admite que o título peca por falta de exactidão e que deveria ter escrito “o alegado ghostwriter” – o que não fez por uma questão de “economia de espaço” própria da natureza dos títulos.
Acontece que nada, no texto do artigo, fundamenta e justifica a afirmação de que Domingos Farinho foi o escritor fantasma do livro A confiança do mundo, de José Sócrates.
Assim sendo, o provedor constata que a jornalista Ana Henriques não respeitou os princípios do rigor e da imparcialidade consagrados nos pontos 1 e 7 do Código de Deontologia do jornalista. O PÚBLICO errou e o leitor tem razão no seu protesto.
Quem será o próximo?
Na coluna do provedor de 21 de Novembro de 2020 escrevi que restava saber onde iria conduzir o precedente do corte em directo, pelas televisões norte-americanas, do discurso do então Presidente Donald Trump. Tanto na altura como depois, essa decisão não suscitou qualquer debate na Imprensa europeia – que não além Atlântico.
Mas no caso do corte sabia-se quem tinha tomado a decisão – os apresentadores ou os directores das televisões em causa – e, por isso, era possível responsabilizá-los, pelo menos em termos de opinião pública.
Tal já não sucede com o encerramento das contas de Trump nas redes sociais. Trata-se de uma decisão anónima, praticada por alguém que nem sequer é possível identificar e que se arrogou o poder de controlar a palavra pública de um político eleito democraticamente.
Daqui se pode tirar um primeiro ensinamento: as chamadas “redes sociais” são um espaço sem rei nem roque. E sem lei [1]. Foi o que disseram, por outras palavras, a chanceler Merkel e o Presidente Macron. O segundo ensinamento é que os dirigentes políticos das nossas democracias estão agora a provar o veneno que eles próprios fabricaram, quando contornaram a Imprensa para se dirigir directamente aos cidadãos eleitores através das mesmas “redes sociais” que agora os silenciam – sem apelo nem agravo.
À luz destes dois acontecimentos, é legítimo perguntar quem será o próximo censor e a próxima vítima. Às sociedades democráticas e, em particular, aos seus jornalistas cabe decidir se devemos continuar a fazer de conta que nada aconteceu, mantendo o acontecido na semi-clandestinidade em que ele está agora, ou se o tornamos objecto de um debate público, aberto a todos.
[1] De acordo com Florence G’sell, catedrática de Direito numérico e responsável pela cadeira digital de Ciências Políticas na Universidade de Lorena, várias jurisdições norte-americanas classificaram a conta @realDonaldTrump como um “fórum público”, protegido pela Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos.