O pára-arranca da gestão da pandemia com deslumbramento e hesitações pelo meio

Verão na praia, segunda vaga em Novembro e terceira no arranque de 2021. Em meses, Governo e Presidente da República andaram em pára-arranca na gestão da pandemia. Chegados a Janeiro, o anúncio é o mesmo que o de há 315 dias: as escolas fecham.

Foto
O primeiro-ministro resistiu até onde pôde a decretar o fecho de escolas, mesmo contra a opinião dos cientistas Rui Gaudêncio

António Costa anunciou esta quinta-feira o fecho de todas as escolas, 315 dias depois de o ter feito pela primeira vez para combater a pandemia que se espalhou pelo mundo. Nos últimos dias, a hesitação em torno desta decisão, que se tornou numa espécie de travão de emergência no combate à crise sanitária, foi evidente. Mas os avanços e recuos não são de agora. 

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

António Costa anunciou esta quinta-feira o fecho de todas as escolas, 315 dias depois de o ter feito pela primeira vez para combater a pandemia que se espalhou pelo mundo. Nos últimos dias, a hesitação em torno desta decisão, que se tornou numa espécie de travão de emergência no combate à crise sanitária, foi evidente. Mas os avanços e recuos não são de agora. 

A 12 de Março de 2020, o Governo decretou o fecho das escolas, quando havia 78 casos de infecção confirmados em Portugal. O país confinou e só em 4 de Maio começou a abrir de forma parcial e progressiva, para permitir um equilíbrio entre combate à crise sanitária e retoma económica. 

Na imprensa estrangeira falou-se do “milagre” português, cujo confinamento deu tempo ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) para encontrar novas respostas. Mas ao mesmo tempo que os portugueses foram saindo de casa, a Organização Mundial da Saúde (OMS) ia olhando para a frente: pedia preparativos porque se avizinhava uma segunda vaga de infecções a partir do Outono. Portugal desconfinava aos bocados e até a velocidades diferentes conforme a região do país. E ia a banhos. Depois de um debate sobre como garantir que as praias eram seguras e com o calor a apertar, o primeiro-ministro explicou que depois de tanto tempo em casa, estava na hora da rua. Com cautelas, claro. “Saiam em segurança”, disse António Costa a 6 de Junho, na praia de Portimão, onde assinalou a abertura das praias. 

Com a situação a parecer mais controlada e as notícias de que o Verão até era uma altura mais benévola do ponto de vista da infecção, quando comparado com o Inverno, o Presidente da República deu por terminadas as reuniões com os peritos em saúde pública, no Infarmed, ao anunciar a 8 de Julho que aquele teria sido o último encontro com epidemiologistas. Foi nesta reunião que Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que os transportes públicos não eram um factor de transmissão do vírus na região de Lisboa, onde o panorama da pandemia obrigava a mais cuidados em 19 freguesias. 

Regresso às aulas

Com o Verão na rua e menos informação técnica sobre o assunto, a não ser o boletim diário da Direcção-Geral da Saúde, Portugal chegou a Setembro a parecer quase normal, apesar dos surtos nos lares que tinham dominado Agosto. Praticamente tudo tinha recomeçado –​ com a excepção das discotecas, que se têm mantido sempre fechadas –​ e o novo ano lectivo preparava-se para arrancar, apesar de a pandemia continuar. “Não podemos continuar a pagar o preço de ter uma escola encerrada”, sustentou então António Costa, que preparou o regresso dos alunos à escola com regras de segurança sanitária mais apertadas, como o uso da máscara e a criação de bolhas dentro do espaço escolar para não misturar grupos de alunos. O Governo ia explicando que os custos económicos e sociais de um novo confinamento seriam grandes e, por isso, queria evitá-los.

Mas nesse mesmo mês, as notícias sobre a segunda vaga que aí vinha voltaram. E voltaram os avisos para a tentar evitar. Numa reunião com os epidemiologistas –​ que entretanto tinham sido retomadas –​, o Governo ouviu dos peritos que para isso era preciso que os contactos fossem reduzidos para metade. Em Outubro, Portugal ultrapassou as cem mil infecções no dia 19 e o número de pessoas internadas era de 1174, o maior desde 20 de Abril. Na vizinha Espanha o cerco apertava-se, com o Governo de Pedro Sanchéz a decretar novo estado de emergência, com recolher obrigatório e a sinalizar uma duração até Maio.

Os números da pandemia foram piorando e, em Novembro, Portugal também voltou ao estado de emergência. O que significa um quadro legislativo mais rigoroso, mas que o Presidente da República explicou ser “diferente” do primeiro, que se iniciou em Março, e “muito limitado”. Foi a 9 de Novembro que entraram em vigor medidas de recolhimento obrigatório aos dias de semana e aos fins-de-semana, nos concelhos onde o risco de contágio era maior. Nesse mesmo dia, Portugal tinha 78.378 casos activos, entre os quais 4096 novos, e acumulava 2959 mortos.

Entre a comunidade científica já existia desilusão, considerando que houve “deslumbramento” na primeira vaga, mas que Portugal tinha descurado o conhecimento científico e perdido a capacidade para rastrear infecções, ou seja, para identificar as cadeias de transmissão que ajudam a travar a propagação da pandemia.

Aumentar

O efeito Natal

E a 20 de Novembro, a renovação do estado de emergência surgia como óbvia aos olhos de Marcelo Rebelo de Sousa que, na declaração que fez ao país para a explicar, admitia uma possível terceira vaga em Janeiro. Mas havia uma decisão política sensível para tomar –​ o que fazer ao Natal. Todos pediram ao Governo que anunciasse o mais cedo possível como seria o Natal, para que as famílias o pudessem programar. O primeiro-ministro concedeu mais liberdade de circulação entre os dias 23 e 26 de Dezembro. Para a passagem de ano, Costa começou por permitir que os restaurantes estivessem abertos até depois da meia-noite, mas a decisão sofreu um revés com a reavaliação feita a meio de Dezembro. 

Isto, na mesma altura em que a OMS alertava para a terceira vaga e em que o Reino Unido identificava a existência de uma nova variante do vírus que se propaga mais rapidamente. E o Serviço Nacional de Saúde (SNS) estava prestes a activar os sinais de alarme que fizeram as notícias dos últimos dias. 

Com vários países a apertar as regras para o Natal –​ uns mais e outros menos –​, em Portugal, o primeiro-ministro explicava que o Natal não ia ser normal. Debaixo de críticas depois de ter dito como passaria o período das festas, Marcelo voltou atrás e cortou o número de reuniões familiares que tinha previsto para o período natalício. 

Com Portugal meio parado, e a redução do número de testes, o Presidente quis fazer um compasso de espera para voltar a decidir sobre as medidas a aplicar em Portugal e perceber melhor de que forma o Natal teve influência nos números com que 2021 começou. No dia 13 de Janeiro, o Governo apresentou as regras do novo confinamento geral, “idêntico ao de Março”, disse Costa, mas que só permitiu uma redução de 30% da circulação. Depois de uma divisão entre os cientistas sobre o fecho de escolas para alunos acima dos 12 anos para os alunos abaixo desta idade, Costa não colocava o cenário de fecho , o executivo manteve as escolas todas abertas.

O chefe de Governo tem dito não ter receio de voltar atrás nas decisões e, desta vez, já reviu duas vezes as medidas, apertando-as, e acabando por alterar completamente a decisão sobre as escolas (fechando-as), argumentando com o agravamento da nova variante do vírus conhecida a 15 de Dezembro. Esta quinta-feira, Portugal registou um novo máximo diário no número de mortes (221) e 13.544 novos casos de infecção.