Vamos continuar a confinar a cultura?

Eu não o chamaria “pedinchar”, quando falamos de condições de trabalho legítimas. Não o chamaria “pedinchar” quando falamos da consideração que nos é devida.

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Espectáculo de dança Gabo, criado pelo grupo Dançando com a Diferença e encenado por Patrick Murys, no Teatro Viriato Paulo Pimenta

Mais uma vez confinados, e mais uma vez a cultura é chutada para canto. Mais uma, e outra, e outra vez.

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Mais uma vez confinados, e mais uma vez a cultura é chutada para canto. Mais uma, e outra, e outra vez.

Esta desatenção pela cultura é, para mim, muito intrigante pois, nas alturas em que somos obrigados a isolarmo-nos, as artes são a primeira coisa para a qual nos viramos. Que belo paradoxo. Eu poderia dar exemplos, mas não o vou fazer, pois já todos passámos pela experiência de um confinamento e todos pudemos confirmar que, em momentos de aperto, são as artes que nos salvam.

E nós, artistas, sabemos que toda a gente o sabe. E isso magoa muito, e frustra ainda mais. Quando é preciso “apertar o cinto”, a cultura é das primeiras a ir para o banco de suplentes. Secundária. Chutada para canto.

É tão frustrante que, uma e outra vez, nos vejamos obrigados a justificar a validade e a necessidade das artes. Que vontade têm os artistas — jovens, seniores, freelancers, recibos verdes, a contrato, etc. — de existir num ambiente em que ninguém os leva a sério? Não é por ser uma profissão na qual nos focamos em dar que isso signifique que não precisemos de receber. Precisamos, sim. Precisamos de respeito, legitimação, amor.

Os artistas estão sempre a pedinchar, não é?

Eu não o chamaria “pedinchar”, quando falamos de condições de trabalho legítimas. Não o chamaria “pedinchar” quando falamos da consideração que nos é devida. Há sempre esta ideia (verdadeira, mas nociva) de que “os artistas precisam de criar, portanto irão sempre fazê-lo, ainda que sem condições”, e essa perspectiva deixa-nos numa realidade absolutamente inóspita. E quando mais tarde porque é sempre tarde  chegam do ministério apoios e medidas — que nunca chegam para todos , é esperado que acalmemos os ânimos. “Já tiveram o que queriam, não já?”

Não. O que queremos é um governo e uma sociedade (pois o governo reflecte aquilo que uma sociedade projecta) que nos leve a sério. Que olhe as artes e a cultura como bens absolutamente essenciais para uma sociedade íntegra e realizada. Este complexo de artista deprimido “Van Goghiano" que nos é quase impingido é simplesmente triste. Um país sem cultura não é nada. Perguntem à História.

Pudemos assistir, na semana passada, a uma greve de alunos na Escola Superior de Dança (IPL) pela reivindicação de condições de trabalho dignas, três anos depois de uma primeira greve feita exactamente pelas mesmas razões. Mas, desta vez, somou-se ainda a absurdez de ter sido eleito, de forma democrática e legal, um novo director que depois não pode tomar posse por razões absolutamente disparatadas e lamentáveis como um ordenado.

O estado actual da Escola Superior de Dança, a única instituição de ensino superior na área da dança em Portugal, é o espelho perfeito para como as artes performativas são encaradas pela nossa sociedade. Chutadas para canto. Uma, e outra, e outra vez.

E ainda assim, os estudantes da Escola Superior de Dança continuam a acreditar e a lutar e a fazer-se ouvir. E se elas e eles, cientes da fragilidade dos seus futuros, continuam a lutar, então talvez haja aqui algo pelo qual vale realmente a pena lutar.

E vale, sim: as artes valerão sempre a pena. Nós, artistas, sabemos isso. Porque se amanhã acordássemos e não houvesse arte, o que é que ficava? E a vontade para viver nesse mundo?

No dia 30 Janeiro vai haver uma manifestação geral por todo o país pelas artes performativas. As normas de segurança serão certamente respeitadas, já o foram todas as vezes que fizemos isto no ano passado. E eu espero ver-vos a todos lá.