Pedro queria Ana Gomes na corrida a Belém. Desafiou-a numa carta — e ela aceitou

Com 18 anos, vai votar pela primeira vez — e em alguém que desafiou a candidatar-se. Pedro Limões estava “descontente face ao sistema político” e, por isso, enviou uma carta a Ana Gomes, que acredita ser o “antídoto para um sistema corrupto”.

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Pedro Limões tinha um “sentimento de descontentamento face ao sistema político”. “A política, como está desenhada, parece cada vez mais alienada dos jovens, não faz por incluir todos os cidadãos, principalmente aqueles que estão descontentes”, considera o estudante da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, natural de Fânzeres, em Gondomar.

Nunca teve ligação a qualquer partido político, apesar de já ter sido convidado para integrar uma juventude partidária, mas isso não significa que esteja alheado desta realidade: de olhos postos no que acontece no país, viu em Ana Gomes “uma pessoa que pudesse ajudar nesse sentido” e, confessa, alguém que já há muito “queria que se candidatasse à presidência da República”.

Foi em meados de Junho de 2020 que se lembrou de lhe escrever uma carta — e dizer isso mesmo: “Falei do problema da abstenção, dos jovens estarem muito desligados da política, e disse que precisávamos de alguém que credibilizasse o sistema político. E isso faz-se com o combate à corrupção, uma das bandeiras de Ana Gomes”, refere.

A esperança de que chegasse uma resposta ou, ainda melhor, uma candidatura, tardou (“O tempo foi passando e eu pensei que, pronto...”), mas, a 16 de Setembro, chegou. Enquanto fala com o P3, Pedro volta a abrir a carta da candidata à presidência da república para que a memória não o traia. E relata: “Começa por dizer quem por razões pessoais e profissionais só pôde agradecer à minha carta naquele dia. Diz que o meu encorajamento a motivou a levar por diante a sua acção na exigência de integridade e de respeito pelo país, candidatando-se à presidência da república. E que era animador saber que jovens se preocupavam tanto com o país e não baixavam os braços.”

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Pedro Limões tem 18 anos e é natural de Fânzeres, Gondomar Nelson Garrido

Não era uma novidade já que, dias antes, Ana Gomes tinha anunciado a sua candidatura a Belém, dizendo que não pode, nem deve “desertar deste combate pela democracia”.

E o agradecimento a Pedro não chegou apenas na forma de carta. Imediatamente depois de deixar a carta de resposta a Pedro no posto de correios, a candidata publicou um vídeo no Instagram agradecendo essa carta “de uma maturidade incrível, de um jovem que se preocupa com o futuro do país”, que, confessou, a incentivou a “sair da zona de conforto num momento especialmente difícil da sua vida”. “Obrigada, Pedro”, terminou.

“Nunca imaginei que teria estas proporções”, admite o jovem. “Quer a resposta que me enviou, o reconhecimento no vídeo, mas principalmente o carinho e agradecimento dos apoiantes de Ana Gomes, que me enviaram muitas mensagens e comentários positivos”, continua.

“Cada vez temos menos pessoas a decidir por mais pessoas”

A prestação da candidata até ao momento não desilude as expectativas de Pedro. Os debates “mostraram que é a candidata viável para combater a extrema-direita e para ir a uma segunda volta”, acredita. “É o antídoto para aquilo que é um sistema bastante corrupto, que não é convidativo para os jovens e precisa de ser reformado — não destruído.”

É que, apesar de achar “injusto dizer que Marcelo Rebelo de Sousa tem sido um mau presidente”, afiança que é preciso “alguém que faça mais”. Uma falha que aponta ao actual Presidente da República é o facto de “pouco ou nada se ter ouvido dele” quando os jovens saíram à rua para marchar “pelo clima, contra o racismo ou o machismo”. Outra é a de “legitimar a coligação dos Açores com um partido xenófobo, nacionalista e que vai contra princípios estabelecidos na Constituição, que proíbem movimentos fascistas”.

“O Presidente da República tem um papel importante naquilo que é o futuro do país. Tem ferramentas e uma magistratura de influência que pode usar para estabelecer prioridades e defender o melhor”, sublinha.

Pedro vai votar pela primeira vez. Em tempo de pandemia e numa candidata que influenciou a sê-lo. “Identifico-me como uma pessoa de esquerda, por isso a minha escolha reduzia-se a três pessoas”, diz. Mas “todo o historial de Ana Gomes enquanto diplomata, no Parlamento Europeu, na defesa dos direitos humanos, de um estado de direito em muitos países” fê-lo tomar uma decisão. E a “simpatia pessoal por causa de toda esta história” também ajuda.

“Estas presidenciais são, provavelmente, das mais importantes”, afiança. “Num momento em que a extrema-direita ascende é cada vez mais importante tomarmos uma posição. E o combate faz-se nas urnas.” Ainda assim, sabe que nem todos irão participar nele. E atribui responsabilidades.

“Acho que dedicar 30 minutos de debate político para as presidenciais, enquanto temos horas e horas de comentário futebolístico nos canais, não é fazer parte da solução”, atira. Pedro acredita que “a comunicação social pode fazer muito mais para envolver os cidadãos e combater este flagelo que é a abstenção”. E nem os próprios candidatos “falam nisso”: “O debate que se devia fazer antes das eleições faz-se na noite eleitoral, com alguns moralismos à mistura, e fica por aí. Não existe uma reflexão por parte do sistema.”

Os jovens, ao contrário do que se diz, não se envolvem na política “por preguiça ou porque não acreditam em nada”, mas sim porque “cresceram a ver escândalos de corrupção, guerrilhas político-partidárias, perversões no sistema financeiro” — e a observar as frustrações dos pais. Mas as gerações mais novas “interessam-se por causas, têm ideais, manifestam-se pelo clima, contra o racismo ou o machismo”.

E Pedro acredita que a tendência de desinteresse pode estar a mudar. E tem mesmo que mudar. Afinal, “cada vez temos menos pessoas a decidir por mais pessoas”. E isso “não é muito democrático”.