Juízes, procuradores e advogados defendem redução da actividade dos tribunais
Perante aquilo que consideram ser a fase aguda da pandemia, magistrados e advogados defendem que deveriam ser suspensas todas as diligências e julgamentos pelo prazo em que durar o estado de emergência, realizando-se apenas aquelas que são urgentes.
Com os números de infectados e mortos com covid-19 a aumentar, juízes, procuradores e advogados defendem a redução da actividade dos tribunais.
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Com os números de infectados e mortos com covid-19 a aumentar, juízes, procuradores e advogados defendem a redução da actividade dos tribunais.
Em declarações ao PÚBLICO, o juiz-desembargador Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, afirmou que, de facto, “as condições que existem não oferecem segurança”.
“Há julgamentos em que os ajuntamentos continuam a existir, tanto pelo número de arguidos como de advogados, e há muitas situações em que os juízes acabam por adiar as diligências”, disse, sublinhando que tem acontecido situações em que “os arguidos ou advogados estão em isolamento e arguidos e testemunhas que faltam por medo”. “Se os tribunais reduzirem a actividade num período, que não seja muito longo, não é por isso que o sistema vai desmoronar”, sustentou.
O advogado Saragoça da Mata confirma a situação da falta de condições e julgamentos com dezenas de pessoas. “As salas não têm janelas e passamos ali muitas horas”, explica, sublinhando que, de facto, devia existir uma redução da actividade dos tribunais, realizando-se apenas diligencias relativas a processos urgentes.
Já o advogado Ricardo Sá Fernandes fala com conhecimento de causa. Está com covid-19 e tem sintomas. “Tenho tosse e um cansaço extremo”, começa por dizer, sublinhando que teve de cancelar os julgamentos marcados até dia 26 de Janeiro.
E também é da opinião que, nesta fase aguda da pandemia, não devem existir julgamentos presenciais. Temos julgamentos, como por exemplo, de processos como o de Tancos ou dos Comandos, que têm dezenas de arguidos e de advogados, em salas fechadas o dia todo. “Isto é de uma enorme irresponsabilidade.”
Além disso, o advogado sublinha ainda o facto já mencionado, quer por Saragoça da Mata, quer pelo presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses: “Não se consegue conciliar agendas. Há sempre alguém em isolamento.”
Sá Fernandes admite que os prazos dos processos não tenham de ser suspensos, mas há que pensar seriamente na redução da actividade dos tribunais. “É perigosíssimo ter tantas pessoas nas salas nesta fase”, sustentou.
Paulo Edson Cunha, também advogado, defende a redução da actividade dos tribunais e explica que pedir que uma diligência se realize pela Internet não é um direito do advogado. “Tinha um julgamento em Faro e à ultima hora consegui que fosse através da plataforma Webex, mas porque o juiz aceitou”, explica, sublinhando que não é uma norma.
“Acresce que se o advogado faltar a uma audiência porque tem de ficar em isolamento, os prazos do processo continuam a correr. Nesta fase também defendo a redução da actividade dos tribunais”, sublinhou.
Foi precisamente pelo facto da realização de audiências através da plataforma Webex não ser uma norma preferencial e que até tem sido negada pelos juízes, que Alexandra Bordalo Gonçalves, presidente do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de Lisboa emitiu um comunicado.
“Chegou ao conhecimento do Conselho de Deontologia de Lisboa que vêm sendo proferidos despachos a indeferir requerimentos para a realização de diligências usando os meios de comunicação à distância, designadamente através da plataforma Webex, de que os tribunais têm feito uso desde Março de 2020, ou para o adiamento da diligência agendada, em situações que não têm ínsitas carácter de excepcionalidade que imponha a realização presencial”, lê-se no comunicado. Sublinha ainda que, “tendo os advogados visados requerido, fundadamente, o adiamento ou a realização da diligência por meios alternativos, obtido despacho de indeferimento e informado o tribunal da razão da sua ausência, este conselho não instaurará processos disciplinares aos advogados em causa”.
Alexandra Bordalo Gonçalves diz ainda que dará conta das situações que chegarem ao conselho aos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público. “A manutenção da actividade judiciária não pode ter como custo a saúde e a segurança dos advogados, pelo que se impõe bom senso e cooperação recíproca entre todos os agentes judiciários”, lê-se.
Por sua vez, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) considera que deveriam ser suspensas todas as diligências e julgamentos pelo prazo em que durar o estado de emergência, realizando-se apenas aquelas que são urgentes.
“Face à evolução epidemiológica, que caracteriza de preocupante e a exigir medidas urgentes por parte do Governo, em comunicado, [o conselho] entende que não faz sentido continuar a mobilizar milhares de pessoas para se deslocarem aos tribunais ou aos serviços do Ministério Público, a fim de realizarem diligências ou julgamentos, até porque existem tribunais com átrios e salas de julgamento cheios de pessoas, sem que estejam asseguradas as condições de desinfecção, distanciamento e arejamento dos espaços” , lê-se num comunicado enviado às redacções.