Este mundo não é para velhos
Nestas eleições, como em todas as outras, iremos votar com um sentido altruísta e de solidariedade intergeracional, contra todos aqueles que no passado recente tentaram criar na nossa sociedade, por interesses mesquinhos, um conflito de gerações.
Corre nas redes sociais a chamada Declaração de Great Barrington, uma carta organizada por proeminentes defensores da imunidade coletiva, que foi apresentada como sendo assinada por mais de 15 mil cientistas e médicos, bem como por mais de 150 mil elementos do público em geral.
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Corre nas redes sociais a chamada Declaração de Great Barrington, uma carta organizada por proeminentes defensores da imunidade coletiva, que foi apresentada como sendo assinada por mais de 15 mil cientistas e médicos, bem como por mais de 150 mil elementos do público em geral.
O canal britânico Sky News encontrou, contudo, dezenas de nomes falsos na lista de signatários médicos, realidade potenciada por se poder inscrever qualquer nome através do site da declaração (in Observador, 9/10/ 2020). Facto que levanta mais uma vez a necessidade de averiguação das “fake news” antes de propagar notícias nos écrans das televisões.
A defesa da imunidade de grupo, ensaiada por países como a Suécia, Reino Unido e Bélgica, e apoiada numa carta de médicos e cientistas, a chamada Declaração de Great Barrington, foi uma experiência negativa que levou à morte desnecessária de inúmeras pessoas. Felizmente, os erros foram reconhecidos – inicialmente pelo Reino Unido e a Bélgica, e por último pela Suécia, com um pedido de desculpa do próprio Rei.
Esta e outras atitudes mostram como as sociedades ocidentais encaram os seus cidadãos mais velhos. Não como sendo aqueles que pertenceram a uma geração que se ergueu no pós-guerra e reconstruiu a Europa, descolonizou, dando origem ao aparecimento de muitos jovens Estados nos continentes africano e asiático, fez a terceira revolução industrial e lutou com êxito pela melhoria das condições de trabalho, pelo acesso universal dos povos à educação e à saúde, assim como na difícil manutenção da Paz. Esta é a geração que foi apelidada de baby boomer devido ao forte aumento de natalidade no pós-guerra (1940-1964) e que em Portugal lutou pela Liberdade, viveu a prisão, o exílio, a emigração e a guerra nas colónias. Luta que valeu a pena, pois restituiu ao país a dignidade, a liberdade e a justiça social.
É por tudo isso que não se compreende que se sacrifique esta geração, defendendo um darwinismo social eticamente reprovável.
Quando um país é ameaçado por um invasor, deverão ser os jovens a estar na primeira linha de combate. Seria inédito, na história, chamar-se os mais velhos a ocuparem as primeiras trincheiras.
Não tenho ilusões que as primeiras ameaças à geração grisalha vieram do espírito neoliberal, com acusações de que já não era produtiva, e de que seria um peso para a Segurança Social, como vimos num passado recente.
Mas tentativas para silenciar esta geração “rebelde” estão em curso e não são certamente apenas da famigerada pandemia.
Numa entrevista publicada na Philosophie Magazine, de Agosto de 2020, Andrei Poama, professor na Universidade de Leyde, que estuda a ética da privação do direito de voto, analisa a proposta da reforma eleitoral em que o valor do voto de um eleitor diminuí com a idade do cidadão.
A ideia que uma geração mais numerosa de idosos possa dominar outra de jovens é sustentada por alguns politólogos. Já no século passado, com argumentos que estes estavam mais exemptos das consequências dos seus votos que os jovens, Douglas Stewart propunha retirar o direito de voto a partir dos 70 anos ou da idade da reforma.
Filósofos e politólogos de vários países defendem que as pessoas idosas participam mais que os jovens e que assim defendem mais os seus interesses imediatos, ao mesmo tempo que propõem que o valor do seu voto seja inferior ao de um jovem, ou seja, metade de o de um jovem de 18 anos.
Enfim, muda-se o critério normativo: não é a pessoa que conta mas a esperança de vida e o interesse igual de cada um. Passaríamos de “uma pessoa, um voto” para “um futuro, um voto”.
Este pensamento baseia-se na ideia do voto dos velhos ser um voto egoísta.
Acontece que a geração mais velha tem no seu ADN a solidariedade, e quando vota é também a pensar nos mais jovens. Toda esta ideia de “um futuro, um voto”, além de moralmente questionável – acordar ou não o direito de voto segundo a idade –, põe em causa a essência da democracia.
Estes conceitos conduzem, inevitavelmente, a encorajar atitudes de discriminação devido à idade já presentes na nossa sociedade.
Nestas eleições, como em todas as outras, iremos votar com um sentido altruísta e de solidariedade intergeracional, contra todos aqueles que no passado recente tentaram criar na nossa sociedade, por interesses mesquinhos, um conflito de gerações.