Nesta rua de Lisboa quase nada fechou, mas “as pessoas já começaram a cair na real”
A Morais Soares é uma das ruas mais comerciais de Lisboa e praticamente todos os negócios têm autorização para se manter abertos. O movimento continua grande, mas os comerciantes notam quebras.
Uma cliente entra na Loja de Sonho à procura de um chapéu-de-chuva. Há alguma variedade, mas só lhe interessam os mais pequenos e baratos. “Isto é made in China, não é?” O homem ao balcão responde que hoje é tudo feito na China, seja caro ou barato. “Até o corona veio da China”, ri-se, meio em português, meio em inglês, enquanto a cliente faz cara de quem não percebeu e começa a regatear o preço.
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Uma cliente entra na Loja de Sonho à procura de um chapéu-de-chuva. Há alguma variedade, mas só lhe interessam os mais pequenos e baratos. “Isto é made in China, não é?” O homem ao balcão responde que hoje é tudo feito na China, seja caro ou barato. “Até o corona veio da China”, ri-se, meio em português, meio em inglês, enquanto a cliente faz cara de quem não percebeu e começa a regatear o preço.
O chapéu custa quatro euros, mas a mulher argumenta que consegue comprá-lo por menos na loja ao lado e oferece três. O preço não se altera, quatro euros, pegar ou largar. Três e meio, sugere ela. Não, é quatro.
O diálogo espelha como têm sido os dias nesta loja de conveniência da Rua Morais Soares. “Por causa da pandemia as pessoas deixaram de ter tanto poder de compra”, comenta Nischal, um dos empregados. “Nem todos os produtos podem ter preços baixos.”
Neste negócio que vende de tudo um pouco, de produtos alimentares a cuecas, de lâmpadas a desodorizantes, está uma palete de rolos de papel higiénico à porta. É o que os clientes mais procuram, assegura Nischal. “O negócio está muito, muito parado. Desde que entraram em vigor as novas regras tem sido sempre a descer.”
Nesta quarta-feira de manhã, a geralmente movimentada Morais Soares apresentava-se com menos gente do que o habitual. Mas sendo este um dos principais eixos comerciais de Lisboa e não chegando a meia dúzia o número de lojas que não encaixam nas excepções ao encerramento obrigatório, havia filas em vários sítios. Para as farmácias, para os correios, para os talhos, para os supermercados, para as raspadinhas.
Só à porta dos cafés é que nem vivalma. “Vou fechar uma semana ou duas. Enquanto as coisas não normalizarem não vale a pena”, diz António Gabriel Alves, proprietário da Pastelaria Nilde, um dos comércios mais antigos da rua. Com gastos em água e electricidade superiores a mil euros por mês, o empresário diz que não compensa abrir o café. Já antes estava mau, mas com o cafezinho ao postigo sempre se vendia um bolinho. “Venho para aqui mais a minha mulher, estamos todo o dia cheios de frio para não fazer nada”, queixa-se.
António, como outros donos de pastelarias na rua, assegura que não foi a venda ao postigo que gerou mais ajuntamentos e que, às escondidas, ainda há quem forneça cafés e cervejas a quem os procurar. “Paga o justo pelo pecador”, lamenta José Tavares, dono do emblemático Pirata. Nas montras deste snack-bar que ganhou fama pelas bebidas caseiras – e que agora não se podem vender – estão pastéis de bacalhau rechonchudos, chamuças de generosa compleição, filetes e panados.
Alguns clientes que se abeiram ainda não sabem a novidade: “Hoje não há café”, informa o gerente. E depois, em desabafo, quando os outros já vão longe: “Se a pessoa pegar no café e for embora não há problema nenhum.”
Mas não é preciso ir muito longe para ver um pequeno ajuntamento de homens perto de um café, ainda que não estejam a consumir. “Todos os cafés aqui vão fechar até ao fim da semana”, assegura Berta Rodrigues, que tem um quiosque de jornais já na Almirante Reis. Ela própria, que durante toda a pandemia não parou de trabalhar, está a “pensar seriamente em fechar”. “Ficamos abertos a fazer o quê? Não há movimento.”
Para Jorge Humberto, dono da Casa das Borrachas, “as pessoas já começaram a cair na real”. Na pequena loja onde vende cafeteiras, tachos, pegas para frigideiras, apitos para panelas de pressão, casquilhos e mais um sem-fim de coisas, os clientes estão rarefeitos. Quem costumava comprar muito eram os hotéis, que precisam de borrachas para frigoríficos e peças do género. Com a hotelaria fechada, o negócio quase se resume aos idosos das redondezas que têm alguma emergência a tratar. “O movimento na Morais Soares é mínimo, não é nada comparado com o que era”, opina.
E, ainda assim, anda muita gente na rua. “Isto teria de ser confinamento total”, diz Jorge Humberto. “A minha mãe tem 90 anos e desde Março só saiu de casa por duas vezes e foi para ir ao posto [de saúde]”, mas por ali tem visto “o pessoal todo junto” e “muitas pessoas que não respeitam, andam sem máscara e não mantêm a distância”.