A escola resolve tudo, só não resolve a pandemia

Não sou pessimista, nem alarmista, mas não compreendo de todo a decisão de não encerrar as escolas. O tempo urge e, se não o agarramos, nem tempo teremos para recuperar seja o que for.

Foto
"Ensino presencial sempre. Nunca nestas condições" rui gaudencio

Caro senhor primeiro-ministro, Dr. António Costa,

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Caro senhor primeiro-ministro, Dr. António Costa,

Não sou especialista, não sou política, não sou governante. Sou apenas mãe, tia, filha, professora e sobretudo sou gente.

Acredito que possa o senhor primeiro-ministro ter sido mal aconselhado por alguém menos conhecedor da realidade que vivemos nas nossas escolas. Apesar de alguma teimosia nas suas decisões, também acredito que seja capaz de fazer este exercício comigo. Ora vejamos:

Não fechamos as escolas porque o prejuízo para as aprendizagens dos alunos seriam irreversíveis.

Pois bem, atualmente, estes são os cenários que vivemos:

  • Turma completa de quarentena — ensino à distância. A escola resolve.
  • Metade da turma em regime presencial, outra metade em modalidade de ensino à distância. A escola resolve.
  • Três ou quatro alunos que estiveram de quarentena e regressam para a restante turma que acabou de ser posta em quarentena. Estes alunos voltam para a escola, porque já não estão em isolamento. A escola resolve.
  • Três professores positivos em isolamento, 20 em quarentena. A escola resolve.
  • Sete auxiliares de quarentena e duas com resultados positivos. A escola resolve.
  • Turmas de 1.º ciclo em isolamento, que regressam amanhã, sem terem tido oportunidade de fazer testes. A escola resolve.
  • Duas salas de jardim de infância, uma em quarentena, porque a educadora testou positivo e a outra porque faz parte da mesma bolha. Entretanto como outra colega educadora ficou em isolamento profilático, porque é contacto de elevado risco, acaba por ficar em casa e os seus meninos também. Estes não têm direito a declaração de isolamento porque a sua educadora ainda não testou positivo. A escola resolve.
  • As aulas de Educação Física têm de continuar. A escola resolve.
  • Os computadores que temos na escola não têm câmaras, para videoconferência, nem largura de banda que permita ensino de qualidade com os alunos que estão à distância. A escola resolve.

Senhor primeiro-ministro, afinal a escola só não resolve a escolha do bicharoco coronavírus, que hoje pode escolher o aluno mais pequeno, que por acaso não usa máscara, para se instalar confortavelmente.

A escola não resolve o contágio que esta criança passará ao seu irmão do ensino secundário, que esteve a lanchar perto de um colega de turma, cuja mãe é professora e que por acaso está a lecionar à turma que tem apenas quatro alunos em regime presencial, porque os restantes estão de quarentena.

A escola não resolve e não tem recursos humanos para resolver quando soube hoje que o seu aluno do secundário deu positivo, contagiou a mãe, que por sua vez deixará de poder acompanhar os seus alunos presencialmente e à distância. Pelo caminho, esqueci-me do contágio com que a criança de 1.º ciclo presenteou o seu avô, que o ia buscar todos os dias à escola. A partir de hoje, coitado, já não irá mais. Morreu com o tal bicharoco que parece querer arruinar as nossas vidas.

Então, senhor primeiro-ministro, depois deste exercício, considera ainda irreversíveis as aprendizagens? Irreversíveis são as mortes dos entes queridos que se perdem.

Não sou pessimista, nem alarmista, mas não compreendo de todo a decisão de não encerrar as escolas. O tempo urge e, se não o agarramos, nem tempo teremos para recuperar seja o que for.

Ensino presencial sempre. Nunca nestas condições.

Encerre as escolas, prolongue o calendário escolar e verá que tudo pode ficar bem. Ou então continue nessa teimosia cega, que no final do ano letivo não haverá professores, alunos, técnicos nem auxiliares para usufruírem do Plano Digital. Aprendizagens irreversíveis, essas, já não farão qualquer diferença, numa escola vazia, sem ninguém.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico