Se não vemos surtos de covid-19 nas escolas pode ser por falta de testes – a experiência britânica
Há estudos que dizem que o pessoal educativo é a pessoa vítima e difusora das infecções nas escolas. Mas o papel de crianças e adolescentes pode estar apenas mal analisado.
Um estudo britânico publicado online na revista Lancet Infeccious Diseases de 8 de Dezembro concluía que “infecções e surtos causados pelo vírus SARS-CoV-2 foram pouco comuns em contextos educativos” durante Junho e Julho em Inglaterra, quando foram retomadas algumas aulas após o confinamento da Primavera passada. Mas esse resultado pode ter mais a ver com o facto de crianças e jovens apresentarem poucos sintomas, e de não se testar tanto como seria necessário, defendem dois outros cientistas britânicos, num comentário.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Um estudo britânico publicado online na revista Lancet Infeccious Diseases de 8 de Dezembro concluía que “infecções e surtos causados pelo vírus SARS-CoV-2 foram pouco comuns em contextos educativos” durante Junho e Julho em Inglaterra, quando foram retomadas algumas aulas após o confinamento da Primavera passada. Mas esse resultado pode ter mais a ver com o facto de crianças e jovens apresentarem poucos sintomas, e de não se testar tanto como seria necessário, defendem dois outros cientistas britânicos, num comentário.
A partir de Setembro, na segunda vaga da covid-19 no Reino Unido, como noutros países, houve um aumento significativo de casos na população em idade escolar – dos 12 aos 24 anos, com especial peso nos 16/17 anos. Isto tornou-se mais visível quando as escolas reabriram, mas terá começado ainda antes – por isso, não é fácil dizer que tudo se deve às escolas, diz o grupo de peritos que aconselha o Governo britânico sobre a crise da covid-19, na tomada de posição de 4 de Novembro sobre “Crianças, Escolas e Transmissão” do vírus, no qual aconselha a ponderar os efeitos sobre a saúde mental das crianças do encerramento dos estabelecimentos de ensino.
Em Portugal, neste momento, o grupo etário dos 13 aos 17 anos é aquele em que mais tem aumentado a incidência da infecção pelo novo coronavírus nas duas últimas semanas, diz o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, um dos especialistas que aconselha o Governo.
A análise da equipa de Sharif Ismail, da Public Health England (equivalente à Direcção-Geral de Saúde), publicada antes de o Governo britânico ter decidido, no fim de 2020, encerrar as escolas, foi feita em escolas britânicas em Junho-Julho, num universo de cerca de um milhão de alunos. Foram então detectados “177 eventos relacionados com a covid-19”, dos quais 55 verdadeiros surtos. Mas os principais afectados foram os adultos, e não as crianças ou adolescentes, concluiu a equipa: a maior parte das infecções que deram origem a surtos surgiram nos adultos que trabalham na escola (funcionários, professores, o estudo não discrimina).
Houve 27 casos por dia em cada 100 mil pessoas entre o pessoal educativo, comparado com 18 casos nos alunos dos anos iniciais (menos de cinco anos), seis casos na primária (cinco a 11 anos) e seis a oito casos nos estudantes do secundário (11-18 anos).
Os cientistas notavam, no entanto, que existia uma forte associação entre o que se passava nas escolas e a “incidência regional da covid-19”, pelo que sublinhavam a importância de controlar a transmissão comunitária do novo coronavírus. “As intervenções devem focar-se na redução da transmissão do vírus entre o pessoal educativo.”
Parece que “a transmissão entre crianças nas escolas terá um papel negligenciável na pandemia da covid-19”, dizem, num comentário a este trabalho publicado na mesma edição da Lancet Infeccious Diseases, Stefan Flasche e John Edmund, do Centro para a Modelação Matemática de Doenças Infecciosas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. Mas a realidade pode ser bem diferente, sublinham.
Dois estudos britânicos, baseados em testes aleatórios para tentar perceber quão frequente é a infecção pelo novo coronavírus, tanto em indivíduos como em famílias, permitiram perceber que, desde Setembro, foram os jovens adultos com idades entre os 18 e os 25 anos que se tornaram o motor da epidemia no Reino Unido. “A segunda faixa etária com os mais altos níveis de infecção foram crianças do ensino secundário (11-18 anos), o que sugere que provavelmente são uma importante fonte de infecção para os seus pares e outros”, defendem Flasche e Edmund.
Os dois cientistas dizem ainda que é “provável que tenha ocorrido mais transmissão [do vírus] entre crianças do que a que foi registada”. Sobretudo porque nas crianças e jovens adultos a infecção pelo SARS-CoV-2 surge muitas sem vezes sem sintomas.
Como conciliar então tantos dados a indicar que a escola parece ter um papel importante na transmissão do novo coronavírus com estudos como o da equipa de Sharif Ismail, que dizem que as infecções e surtos são pouco comuns nas escolas? Segundo os cientistas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, a resposta estará na baixa probabilidade de as crianças terem sintomas, mesmo contraindo o vírus. “Pode ter havido muito mais surtos que passaram despercebidos, ou que foram muito maiores do que se detectou.”
“Resultados preliminares de modelos baseados no Inquérito de Infecção pela Covid-19 do UK Office for National Statistics [instituto de estatística] apontam para que as crianças no ensino secundário tenham oito vezes mais probabilidades de introduzir a infecção na sua família do que um adulto”, dizem ainda.
Portanto, se o estudo da Public Health England “reforçou a ideia de que ter as escolas abertas é seguro para as crianças mais jovens, as escolas secundárias podem ainda assim ter um papel importante na transmissão do vírus nas famílias”, concluem Stefan Flasche e John Edmund.