O falso confinamento e as crianças
Ao ver e ouvir estas crianças sinto vontade de chorar, de as abraçar e dizer que vai tudo correr bem. Mas a verdade é que não sei se vai tudo correr bem.
Estamos a viver um segundo confinamento que, diria eu, é um falso confinamento. Olhamos à nossa volta e percebemos que muitas pessoas parecem estar em fase de negação, que é como quem diz, “isto não me afecta a mim”, “o problema não é assim tão grave” e “estou imune”. E, por isso, fazem as suas rotinas diárias quase sem alterações e arranjam mil e uma desculpas para sair de casa.
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Estamos a viver um segundo confinamento que, diria eu, é um falso confinamento. Olhamos à nossa volta e percebemos que muitas pessoas parecem estar em fase de negação, que é como quem diz, “isto não me afecta a mim”, “o problema não é assim tão grave” e “estou imune”. E, por isso, fazem as suas rotinas diárias quase sem alterações e arranjam mil e uma desculpas para sair de casa.
Será que estes adultos de quem falo já pararam cinco minutos para pensar como se sentem as crianças e jovens?
A “Maria” chega até mim em hiperventilação. Não consegue respirar, sente o coração a saltar pela boca e todos os músculos do seu corpo tremem que nem varas verdes. As lágrimas saltam-lhe pelos olhos e implora por uma receita que a ajude a acalmar e a dormir. Vive todos os segundos dos seus dias com medo de morrer e de perder as pessoas de quem mais gosta. Sente-se no limite das suas forças e não consegue estudar.
O “Pedro” mostra-me as mãos já sem pele, gastas de tantas lavagens com álcool gel. Tem medo de ser contaminado, de contaminar os avós e de sentir para sempre o peso dessa culpa. Um peso gigante que, segundo ele, o impedirá de viver em paz.
A “Joana” chora de forma ininterrupta, ao mesmo tempo que descreve a avó falecida e de quem não pode despedir-se. Pensa em escrever-lhe uma carta, como um gesto simbólico de quem precisa de dizer adeus. Mas sente a falta do calor da sua face, do brilho dos seus olhos, da ternura dos seus beijos. E chora, os olhos inchados de tanto chorar.
O “Francisco” sente saudades da mãe. “Saudades que vão daqui até à lua”, diz. Não a pode ver porque vive numa instituição e as visitas estão suspensas. Chora em soluços e, com vergonha, mostra o pulso esquerdo. Cortes. Cicatrizes. Dor. “Ajuda a acalmar as saudades”, justifica.
Ao ver e ouvir estas crianças sinto vontade de chorar, de as abraçar e dizer que vai tudo correr bem. Mas a verdade é que não sei se vai tudo correr bem.
Estas são apenas algumas crianças e jovens que, não sendo vítimas directas do novo vírus, são-no de forma indirecta. Sentem o medo, a incerteza, a ansiedade, a tristeza e as perdas. Vivem o dia-a-dia no limbo, desejando ficar fechados em casa e, ao mesmo tempo, poder ir para a escola e conviver com os amigos. São ainda vítimas da irresponsabilidade de milhares de adultos, que ignoram a gravidade da situação e teimam em adoptar comportamentos de risco.
Falo de crianças e jovens em sofrimento psicológico severo, sendo que depende também de todos nós, adultos, agravar ou atenuar este sofrimento.
Pense muitas vezes antes de sair de casa.