Covid-19: “É desesperante.” Falta de oxigénio nos hospitais de Manaus continua a matar
Na sexta-feira bateu-se o recorde de enterros na capital do estado do Amazonas. Fornecimento de oxigénio de emergência não é suficiente para pôr fim à escassez.
Continua a morrer-se com falta de ar nos hospitais de Manaus, que enfrentam uma escassez de oxigénio há já vários dias por causa da enorme pressão causada pela propagação do vírus SARS-CoV-2. O sentimento dominante é de abandono, enquanto o Governo federal diz não ter qualquer responsabilidade.
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Continua a morrer-se com falta de ar nos hospitais de Manaus, que enfrentam uma escassez de oxigénio há já vários dias por causa da enorme pressão causada pela propagação do vírus SARS-CoV-2. O sentimento dominante é de abandono, enquanto o Governo federal diz não ter qualquer responsabilidade.
Os profissionais de saúde descrevem uma situação caótica em que falta de tudo: oxigénio, camas, espaço e disponibilidade de recursos humanos. Nas salas de espera dos hospitais, familiares de pacientes abanam pedaços de papelão para tentar combater a falta de ar e o calor insuportável da região amazónica em pleno Verão, descreve a Folha de São Paulo.
“É desesperante, é angustiante, dói, dói na alma ver um paciente pedir ajuda e você não poder ajudar no mínimo, que é oxigénio”, dizia uma médica do Hospital 28 de Agosto, em Manaus, ao programa Fantástico, da Globo, no domingo.
A falta de oxigénio é o problema mais preocupante para o sistema hospitalar de Manaus – que em Abril e Maio já tinha enfrentado um cenário de enorme pressão – e não parece haver uma solução no horizonte. Há pacientes que estavam nas unidades de cuidados intensivos transferidos para hospitais de outros estados, mas esta é uma alternativa que não pode ser aplicada a todos os casos.
Diariamente, são enviadas botijas de oxigénio para Manaus, mas são rapidamente consumidas, diz o El País Brasil. As imagens de familiares de pacientes em filas à porta das empresas fabricantes de cilindros de oxigénio são frequentes nos últimos dias. O momento é de corrida contra o tempo sem regras ou regulação – a elevada procura fez disparar o preço das botijas que variam entre 400 e 600 reais (62 e 93 euros), preços proibitivos para muitas famílias pobres.
O pastor evangélico Fernando Martinho explicava ao jornal local Em Tempo que tinha passado uma noite inteira à porta de uma das empresas fabricantes durante o fim-de-semana para conseguir uma botija para uma crente da sua igreja, cujo marido já tinha morrido de covid-19. “Agora nós estamos nessa luta para tentar salvá-la”, afirmou.
Na sexta-feira foi atingido um novo recorde de enterros nos cemitérios de Manaus: 213, dos quais quase metade teve como causa da morte declarada a covid-19, diz o mesmo jornal. Desde o início da pandemia, o Amazonas, estado com 3,8 milhões de habitantes, contabiliza mais de seis mil mortes pela doença.
A situação extrema abrange tanto o sistema público hospitalar como o privado e alastrou-se ao resto do estado do Amazonas. O Hospital Hilda Freire, em Iranduba, a 27 quilómetros de Manaus, tinha até há pouco tempo uma entrada apenas para pacientes infectados com a covid-19, mas é hoje uma enorme “ala covid-19”, descreve o Em Tempo. Na sexta-feira foi enviada uma câmara frigorífica para o hospital por falta de espaço na morgue.
Os pedidos de envio de oxigénio multiplicam-se em várias cidades do Amazonas, muitas delas com acessos difíceis, no meio da floresta tropical aonde só é possível chegar por rio ou pelo ar. Se em Manaus já tem sido difícil fazer chegar o fornecimento necessário, teme-se que as situações sejam ainda mais dramáticas nestas cidades.
Responsabilidade
O Governo federal tem tentado demarcar-se da situação no Amazonas, responsabilizando as autoridades estaduais e municipais. “Fizemos a nossa parte, com recursos e meios”, afirmou o Presidente Jair Bolsonaro no final da semana passada, quando confrontado com a ausência de uma resposta à falta de oxigénio.
A Força Aérea Brasileira tem assegurado o fornecimento diário de oxigénio, mas não tem conseguido acabar com a escassez nos hospitais de Manaus. O Governo federal, entretanto, insiste na promoção do que diz ser o “tratamento precoce” à covid-19, através da administração de medicamentos como a cloroquina, cujos efeitos já foram desacreditados em vários estudos científicos e é hoje desaconselhado pela Organização Mundial da Saúde.
No domingo, a Procuradoria-Geral da República abriu um processo de investigação preliminar para averiguar a conduta do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em relação à crise no Amazonas. Pazuello esteve no início da semana passada em Manaus e a procuradoria-geral quer saber se o ministro já tinha conhecimento da possibilidade de o oxigénio estar perto de se esgotar na capital do Amazonas. Em causa está a possibilidade de abertura de um inquérito formal contra Pazuello.