Um refinado encerramento
De repente, pelos vistos contra a vontade do anterior CEO, passou a ser fundamental encerrar Matosinhos a fim de salvar o planeta. Seria risível não fora a gravidade socioeconómica de tão grosseiro dislate.
Em outubro de 2020, a Galp suspendeu a refinação na unidade de Matosinhos mantendo a produção de óleos base e de aromáticos, argumentando que “as condições no mercado nacional e internacional, em grande parte decorrentes dos impactos provocados pela pandemia de covid-19”, forçaram a empresa “a avançar com um ajustamento operacional planeado”. Este ajustamento traduzir-se-ia na “suspensão temporária da produção de combustíveis”.
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Em outubro de 2020, a Galp suspendeu a refinação na unidade de Matosinhos mantendo a produção de óleos base e de aromáticos, argumentando que “as condições no mercado nacional e internacional, em grande parte decorrentes dos impactos provocados pela pandemia de covid-19”, forçaram a empresa “a avançar com um ajustamento operacional planeado”. Este ajustamento traduzir-se-ia na “suspensão temporária da produção de combustíveis”.
Havia no ar, desde há algum tempo, a suspeita de que algumas afirmações da empresa se destinariam a distrair os trabalhadores, os agentes económicos, a região onde está inserida aquela refinaria, isto porque interesses accionistas antecipavam vantagem num encerramento subvencionado com dinheiro público.
A 21 de dezembro de 2020, a Galp comunicou à CMVM que “As alterações estruturais dos padrões de consumo de produtos petrolíferos, motivadas pelo contexto regulatório Europeu e pelos efeitos da pandemia covid-19, originaram um impacto significativo nas atividades industriais”. Por isso, e após “uma rigorosa avaliação (...), a Galp irá concentrar as suas atividades (...) no complexo de Sines e descontinuar as operações de refinação em Matosinhos a partir de 2021”.
A Galp decidia assim encerrar uma unidade cuja especialidade não são os combustíveis, mas os produtos petroquímicos não disponiveis em Sines e indispensáveis para a actividade de muitas importantes empresas em Portugal, que elaboram substâncias e materiais com elevado valor estratégico. Os portugueses utilizam no dia-a-dia diversos utensílios e materiais delas provenientes.
Se estas empresas ficassem desprovidas destes produtos que, para elas, são matérias-primas, teriam de encerrar. Por exemplo, as do polo de Estarreja. Assim, será forçoso importá-las de Espanha e de outras origens, salvo se o desvario governativo determinar mais destruição de capital e postos de trabalho.
Entre outubro, quando apenas se falava nas dificuldades covid-19 projectadas no mercado nacional e internacional como justificação para o “ajustamento temporário”, e dezembro, que trouxe o encerramento, o que mudou?
Fácil é perceber a introdução grosseira do argumento carbónico veiculado pelo “contexto regulatório Europeu”. Isto é, encerrava-se para possibilitar uma descarbonização acelerada imposta pelo ministro Encerrador-Mor.
O truque torna-se ainda mais notório ao consultarem-se os Relatórios e Contas, os vários Data Book de Segurança, Saúde e Ambiente, além de diversos outros documentos de auditoria e verificação externa produzidos durante a última década: em todos eles o que se encontra é a afirmação da excelência ambiental e climática da Galp, suportado por numerosos indicadores. E o Estado, importante accionista, conhece e sempre corroborou estas afirmações corporativas, que tinham e têm uma correlação clara com o valor socioeconómico e financeiro da empresa em apreciação.
Agora, de repente, pelos vistos contra a vontade do anterior CEO, passou a ser fundamental encerrar Matosinhos a fim de salvar o planeta. Seria risível não fora a gravidade socioeconómica de tão grosseiro dislate.
Há mentira e falta de transparência neste processo.
O Governo, através do Ministério do Ambiente e Ação Climática, finge que tudo se deve à vontade da Galp e adopta a postura de paquidérmico fingidor: nem pensar em intervir, tanto mais quando a regra de S. Carbono manda que se aplique mais este cilício no flagelado corpo socioeconómico português.
Ignora-se, de forma displicente, um esclarecimento elementar: os produtos com produção interrompida em Matosinhos passarão a ser importados, talvez de Espanha/Galiza. Ou seja, o CO2 e o vapor de água, “perigosíssimos agentes” do efeito de estufa, passam a ser emitidos aqui ao lado. Mesmo que fosse em qualquer outro país europeu tanto dava para as contas climáticas.
Lunático, o ministro afirma que esses produtos e matérias primas serão desnecessários no futuro, substituídos por novas matérias e substâncias provenientes da inovadora e transitiva cadeia baseada no lítio, no hidrogénio verde e num vasto ideário de hipóteses. O Musk e o Klaus Schwab passam diariamente na Rua de O Século. Os contribuintes e consumidores pagam a conta.
Compreende-se que os accionistas, comandados pela Amorim, se foquem na preciosa desnatadeira de lucros em que se quer transformar a Galp. É que, através desta receita, encerra-se, sem dor, uma coisa que “não lhes interessa nada”, recebendo quase 200 milhões de € através de subvenções públicas à pala da “transição justa”. A mesma receita em Sines, neste caso para a EDP.
Assim, até dá gosto: é-se inteligente, amigo do ambiente, do clima, das coisas sustentáveis e simpáticas, há até um cheirinho de revolução no ar, e, ao mesmo tempo, aumentam-se as rendas, lucros e dividendos. Uma receita refinada!
As partes desagradáveis da transição imposta, aquelas que alguns vêm lembrar, são apenas danos colaterais: que interessa destruir postos de trabalho e capital, que importa vergar a economia portuguesa aos interesses dos grandes mandantes mundiais, se há um mundo de promessas idealistas que podem ser experimentadas com dinheiro público dos Estados?
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico