O futuro passa pelo confinamento
Portugal vive uma crise maior do que em qualquer outro momento nos últimos meses ou até do último século. Boa parte do que pode ser o futuro próximo decide-se por estes dias
Andamos há tantos meses a viver em estado de emergência que corremos o risco de banalizar a gravidade da expressão e, por força do cansaço, de a despir de significado e sentido. Esse é talvez o maior perigo que enfrentamos, agora que a pandemia no país chegou a um ponto crítico. Não apenas pelo número de contágios que vai continuar a aumentar e, sem confinamento geral, poderia ultrapassar a dramática barreira dos 30 mil por dia, de acordo com os especialistas. Não apenas pelas mortes causadas pelo vírus, que vitimam um português a cada dez minutos e vão, por certo, aumentar. Não apenas pelos sinais evidentes de ruptura no Serviço Nacional de Saúde, com as equipas de médicos ou enfermeiros a não serem capazes de acudir às necessidades de tratamento de tanta gente. Portugal vive uma crise maior do que em qualquer outro momento nos últimos meses ou até do último século. Boa parte do que pode ser o futuro próximo decide-se por estes dias.
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Andamos há tantos meses a viver em estado de emergência que corremos o risco de banalizar a gravidade da expressão e, por força do cansaço, de a despir de significado e sentido. Esse é talvez o maior perigo que enfrentamos, agora que a pandemia no país chegou a um ponto crítico. Não apenas pelo número de contágios que vai continuar a aumentar e, sem confinamento geral, poderia ultrapassar a dramática barreira dos 30 mil por dia, de acordo com os especialistas. Não apenas pelas mortes causadas pelo vírus, que vitimam um português a cada dez minutos e vão, por certo, aumentar. Não apenas pelos sinais evidentes de ruptura no Serviço Nacional de Saúde, com as equipas de médicos ou enfermeiros a não serem capazes de acudir às necessidades de tratamento de tanta gente. Portugal vive uma crise maior do que em qualquer outro momento nos últimos meses ou até do último século. Boa parte do que pode ser o futuro próximo decide-se por estes dias.
Se, colectivamente, falharmos o controlo da pandemia nas próximas semanas, não será só necessário pagar o custo económico do confinamento, a perturbação social, a factura da saúde mental ou da perda de confiança nas instituições. Vamos ser forçados a viver muitos mais meses com níveis elevados de contágio e de mortalidade. Vamos perder a época turística. Vamos condenar muito mais pequenas empresas do comércio ou da restauração à ruína. Vamos agravar as frágeis contas do Estado, sobrecarregando ainda mais as próximas gerações com dívida. Vamos devastar a capacidade de resposta dos hospitais e exaurir as capacidades do pessoal da saúde. Vamos perder a concentração e a energia indispensáveis para definirmos o destino dos fundos europeus, a resposta às alterações climáticas ou da transição digital que determinarão o lugar de Portugal no futuro. Em Março de 2020, estava em causa o controlo da pandemia; em Janeiro de 2021, a pandemia parece ter entrado em descontrolo e nada mais nos resta senão admitir que o desafio é, pelo menos, tão grave a ameaçador como o de há quase um ano.
É por isso importante que não se considere o cenário actual como mais um episódio da longa série da pandemia. Não é. Este é o momento decisivo. Tudo o que se tentou evitar até agora está a acontecer. Chegámos ao limite e, se formos muito para lá do ponto em que estamos, corremos o risco de agravar os danos da pandemia com a perda da estabilidade política e social e da auto-estima que sustenta o nervo de um país. Se o confinamento falhar, o preço será altíssimo. Cada um de nós e todos enquanto comunidade temos muitos interesses em jogo nesta ameaça.
Resta uma só solução: levar o confinamento muito a sério. Olhar, como pediu o primeiro-ministro, para as regras e não para as excepções. Perceber que a decisão de cada um conta, seja a de um caixa de supermercado ou de um empregado dos serviços que pode trabalhar a partir de casa. Relativizar o perigo é exponenciá-lo. Virar-lhe as costas, por fadiga ou impaciência, por descrença nos políticos ou por dúvidas sobre as prescrições dos especialistas, é fugir à responsabilidade. Ficar em casa é mais do que uma opção individual: é um acto político, uma prova de empenho cívico, um gesto de resistência em favor do bem comum.
Num momento dramático como este, é dever do PÚBLICO alertar para a calamidade que vivemos e apelar a esse esforço colectivo indispensável para a vencer. Não está na hora de distribuir culpas, que as há, de encontrar responsáveis, que existem, nem sequer de propor alternativas, que são possíveis. Nas próximas semanas, o que é fundamental é reconhecer a dimensão da ameaça e enfrentá-la decididamente. Mais do que medidas, multas, regras ou excepções, importa cumprir a máxima de John F. Kennedy: está na hora de cada um perguntar o que pode fazer pelo país. Bastam a coragem e a determinação de Março e Abril para se poder reclamar vitória.