Aos 83 anos, a histórica “Loja da Preta” fechou em Ponta Delgada
Loja tinha sido fundada por um polaco que se tinha estabelecido nos Açores no pré-II Guerra Mundial. A pandemia suspendeu a criação de regulamentação que estava a ser criada pela Câmara de Ponta Delgada para proteger as lojas históricas.
A “Loja da Preta” – um nome cunhado pelo povo – abria, desde 1937, uma das principais artérias do centro histórico de Ponta Delgada. Fazia parte da paisagem da cidade ver aquelas cinco montras altas e envidraçadas sob a forma de abóbadas, sempre repletas de artigos de cozinha, brinquedos, decorações e de quase tudo. Lá dentro, era igual: os corredores tornavam-se pequenos porque todos os cantos estavam entupidos de artigos.
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A “Loja da Preta” – um nome cunhado pelo povo – abria, desde 1937, uma das principais artérias do centro histórico de Ponta Delgada. Fazia parte da paisagem da cidade ver aquelas cinco montras altas e envidraçadas sob a forma de abóbadas, sempre repletas de artigos de cozinha, brinquedos, decorações e de quase tudo. Lá dentro, era igual: os corredores tornavam-se pequenos porque todos os cantos estavam entupidos de artigos.
Era um daqueles espaços que faziam parte do imaginário de uma cidade. Um espaço histórico que vendia de tudo, herdeiro das típicas lojas de quinquilharias, que estão em vias de extinção um pouco por toda a parte. Para quem conhece Ponta Delgada, 2021 começou com surpresa: aquelas montras agora estão tapadas com cartão. A loja da preta fechou 83 anos depois.
Provavelmente, ninguém conhecia o espaço pelo nome comercial: J. C. Dias Júnior & Herdeiros. A designação popular, que se sobrepôs à oficial, teve origem numa boneca mecânica de cor negra. Durante anos, entre o final da década de 50 e nos anos seguintes, a boneca e os seus movimentos tornaram-se uma das atracções do centro da idade. Com os anos, a boneca deixou de se mexer, mas ficou na montra, sempre no mesmo sítio, até ao último dia.
Os mais antigos também chamavam ao espaço “Loja dos Alemães”, uma referência ao fundador da loja, que, afinal, até era polaco. Luzer Salles, judeu, chegou aos Açores em 1937, numa tentativa de escapar à ebulição em que se encontrava o resto do mundo. Dois anos depois, a Polónia era invadida pela Alemanha de Hitler e espoletava o maior confronto bélico da história.
Quando o mundo acalmou, Luzer Salles abandonaria os Açores em 1952, rumando aos Estados Unidos. Nesse ano, trespassou a sua loja a um dos funcionários, José da Costa Dias – tal como é relatado no livro Conhecendo Melhor… a cidade de Ponta Delgada, do historiador José de Mello (Publiçor, 2011)
Desde o início até ao fim, a loja iria ficar praticamente com o mesmo aspecto, evocativo de um ambiente de outros tempos. Aquando da grande vaga de emigração de açorianos para a América do Norte nas décadas de 50 e 60 (um estudo coordenado pela socióloga Gilberta Rocha estima a saída de 31 000 indivíduos nesse período), dizia-se que a “Loja da Preta” era um ponto obrigatório antes da partida porque só lá se encontravam as malas mais resistentes (já de plástico), capazes de suportar a viagem.
A “Loja da Preta” ficaria na família Dias até ao fim, ficando na posse dos dois filhos, Luís e José Alves da Costa Dias. Nenhum deles quis falar ao PÚBLICO sobre o encerramento do espaço – e, aliás, ressalvaram que não pretendem falar a qualquer órgão de comunicação social.
Protecção de lojas históricas
A quatro de Fevereiro, o então presidente da Câmara de Ponta Delgada, José Manuel Bolieiro, actualmente líder do governo regional, anunciava que o município estava a trabalhar num “regulamento de reconhecimento e protecção do comercio tradicional”, como forma de proteger as lojas históricas da cidade.
Bolieiro saiu da câmara para liderar o PSD-Açores e Maria José Duarte, antiga vereadora, passou a presidente (depois do vice-presidente, Humberto Melo, se ter demitido). Ao PÚBLICO, o maior município dos Açores avança que a criação daquele regulamento ficou suspenso devido à pandemia da covid-19. Ainda assim, por escrito, a Câmara de Ponta Delgada salientou o trabalho realizado para proteger as empresas da cidade.
“A Câmara Municipal está a fazer tudo o que está ao seu alcance para ajudar as empresas a enfrentar esta situação de emergência”, avança o município, destacando iniciativas como a criação de vales para compras no comércio local e a isenção de parquímetros e de taxas municipais. O executivo municipal frisa, também, que no final de Dezembro foi assinado um protocolo de cooperação com a Câmara do Comércio para a “dinamização do centro histórico da cidade”, de forma a “atrair consumidores”. “Estamos focados na resposta imediata à pandemia e às crises que dela resultam, o que exige ponderação, investimento e a definição clara das prioridades nesse momento de emergência”.