Fazer o que tem de ser feito, sem vergonha
O Governo limitou-se a aplicar a cura que lhe restava, a usar a arma na qual podemos depositar alguma crença, a considerar sem alternativa o mal menor.
No anúncio das medidas para o novo estado de emergência, o primeiro-ministro largou um desabafo que desvenda um sinal dos tempos. “E aqui estou, a dar a cara, sem vergonha de voltar onde estávamos em Abril passado”, admitiu António Costa. Nas entrelinhas da declaração há de tudo: fadiga, fatalismo, sinais de impotência ou de derrota, consciência de que num momento excepcionalmente grave como o que o país vive não há lugar para promessas definitivas, compromissos absolutos ou estratégias à prova de bala. Afinal, o Governo, que perante os surtos do Verão ou do Outono recusou firme e hirto um novo confinamento geral, foi forçado a confinar tudo e todos.
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No anúncio das medidas para o novo estado de emergência, o primeiro-ministro largou um desabafo que desvenda um sinal dos tempos. “E aqui estou, a dar a cara, sem vergonha de voltar onde estávamos em Abril passado”, admitiu António Costa. Nas entrelinhas da declaração há de tudo: fadiga, fatalismo, sinais de impotência ou de derrota, consciência de que num momento excepcionalmente grave como o que o país vive não há lugar para promessas definitivas, compromissos absolutos ou estratégias à prova de bala. Afinal, o Governo, que perante os surtos do Verão ou do Outono recusou firme e hirto um novo confinamento geral, foi forçado a confinar tudo e todos.
Não havia alternativa – excepto, talvez, para os que acreditam na possibilidade de enfrentar uma pandemia assim sem usar os recursos excepcionais da Constituição, para os que acreditam que erros do Governo no Natal exigem uma punição severa que exclui a marcha-atrás, para os niilistas das redes sociais que dizem que tudo está mal e que o seu contrário está péssimo. O Governo limitou-se a aplicar a cura que lhe restava, a usar a arma na qual podemos depositar alguma crença, a considerar sem alternativa o mal menor. Por muito do que foi feito até hoje tivesse sido mal feito, agora, quando a mortalidade revolta e o número de contágios assusta, não havia nada a fazer senão voltar “onde estávamos em Abril”. Com um lamento, por certo, mas sem vergonha.
Sabemos que um conjunto de medidas desta gravidade jamais gerará consenso. As excepções produzirão mais ruído do que as regras gerais. Porquê as missas e não os concertos? E os ginásios não são essenciais para a saúde? É nesta assunção de opções que podemos elogiar, ou criticar, o Governo. E no essencial, há mais a elogiar do que a criticar. Por muito que sejam atendíveis os argumentos dos que defendem o fecho das escolas, seria um erro “voltar a sacrificar a actual geração de estudantes”, como disse António Costa e como já aqui defendemos (errámos ao acreditar que fechariam mesmo). Da mesma forma, a Justiça tem de manter as portas abertas, os direitos políticos têm de ser preservados e o exercício da liberdade religiosa também.
No momento mais crítico do país em muitas décadas, o que vier a acontecer dependerá da eficácia destas medidas. Ou, por outras palavras, da coragem com que os portugueses as cumprirem. Com ou sem multas agravadas, o relaxamento tem de acabar. O medo das mortes e das infecções e a luz ao fim do túnel com as vacinas talvez sirvam como motivação para que este combate seja firme e acabe bem. É crucial que assim seja.