Acabou o recreio dos adultos, está na hora de confinar

Já estamos confortáveis com a ideia de beber vinho, sozinhos, em frente a um computador e isso traz-me alegria. O que antes seria um comportamento de risco, essencialmente para o computador, hoje é companheirismo.

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Nelson Garrido

Não é preciso ler cartas nem signos, nem estrelas, nem planetas. Não é o Mercúrio que está retrógrado, somos nós que vamos voltar para trás. Para onde? “Cada um no seu quadrado, cada um no seu quadrado.” E porquê? “É o bicho, é o bicho” que vem aí outra vez e a culpa é do Iran Costa. Não literalmente, claro, mas estas músicas são dele e isso não pode ser apenas coincidência.

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Não é preciso ler cartas nem signos, nem estrelas, nem planetas. Não é o Mercúrio que está retrógrado, somos nós que vamos voltar para trás. Para onde? “Cada um no seu quadrado, cada um no seu quadrado.” E porquê? “É o bicho, é o bicho” que vem aí outra vez e a culpa é do Iran Costa. Não literalmente, claro, mas estas músicas são dele e isso não pode ser apenas coincidência.

Ainda não tínhamos superado o primeiro trauma e já nos vão enfiar no segundo. Agora, literalmente, porque vamo-nos mesmo enfiar em casa. Depois de nos oferecerem um Natal “à larga”, ao contrário da grande maioria dos países na Europa, era cada vez mais provável que voltássemos a reviver um pouco de 2020. Em Junho, a gozar cautelosamente a minha liberdade, ouvi pessoas a desejar 2021 chegasse rápido. Agora percebo que apenas queriam um confinamento maior. Há gostos para tudo.

Hoje conhecemos ainda melhor os nossos amigos. Estivemos juntos nos momentos bons, nos momentos maus e nos momentos pandémicos, que ficam à parte sem juízo de valor. Sabemos a etiqueta das videochamadas, quem não liga a câmara e quem tem a Internet fraca. Já estamos confortáveis com a ideia de beber vinho, sozinhos, em frente a um computador e isso traz-me alegria. O que antes seria um comportamento de risco, essencialmente para o computador, hoje é companheirismo.

Estamos mais preparados que nunca, até porque o trauma ainda é demasiado real. O pânico dá lugar aos sonhos e ao carpe diem de quem quer aproveitar “mesmo bem” a vida. Vou ver séries e filmes, vou meditar, vou fazer ioga, vou fazer dieta, vou fazer bolos, vou fazer exercício, vou escrever e ler todos os dias, vou… Vou sentar-me no sofá a fazer esta lista enquanto bebo um copo de vinho.

Atenção: eu aplaudo, sem sair do sofá, todos os que realmente cumprem objectivos e metas para se entreterem nas 24 horas em casa que parecem bem maiores que o habitual. Aplaudo a vossa coragem que por pouco me inspira. Da última vez, comprámos tudo para fazer um home office, home gym, home garden, e tudo online. Fomos sete cães a um osso e, curiosamente, também são os cães que mordem os carteiros.

Os pais que ontem desconfiavam das compras online, hoje são membros registados em tudo e mais um par de botas. Curiosamente, esta metáfora está desactualizada. Tanto tempo em casa deixa a sola das botas impecável. Já as pantufas, não têm a mesma sorte.

Vamos confinar quando andávamos de boca cheia a dizer que a primeira quarentena tinha sido uma aprendizagem inesperada, reveladora, extasiante. Acho que entre Março e Maio foram esgotados todos os adjectivos, e em português temos muitos, sobre a experiência transformadora que foi o confinamento. Uma coisa é certa: sabemos que a farinha não vai esgotar. Acho eu. Fez-se tanto pão caseiro entre Março e Junho que é provável encontrar um ou outro esquecido no congelador.

Aproveitemos as vozes afinadas das músicas de Natal e, inspirados no famoso coro de Santo Amaro de Oeiras, cantemos a uma só voz: “A todos uma boa quarentena, a todos uma boa quarentena, que seja uma boa quarentena para todos nós.”