Central de Sines fecha portas perante apreensão de trabalhadores e autarcas

A central, que entrou em funcionamento em 1985, e chegou a abastecer um terço da electricidade consumida no país, pode demorar cinco anos a ser desactivada. Há cerca de 500 trabalhadores que temem pelo futuro.

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A EDP remete esclarecimentos sobre os 400 trabalhadores indirectos para as “empresas prestadoras de serviços com as quais têm contratos” Miguel Manso

O último dia de produção de electricidade na central de Sines, em Setúbal, é na quinta-feira, iniciando-se depois a desactivação dos equipamentos, um processo que levará cerca de cinco anos, continuando em aberto o futuro daquela infra-estrutura.

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O último dia de produção de electricidade na central de Sines, em Setúbal, é na quinta-feira, iniciando-se depois a desactivação dos equipamentos, um processo que levará cerca de cinco anos, continuando em aberto o futuro daquela infra-estrutura.

Segundo adiantou à agência Lusa fonte oficial da EDP, “o dia 14 de Janeiro será o último dia em que a Central de Sines estará operacional (é a data em que caduca a licença de produção), encerrando depois em definitivo a partir de dia 15 de Janeiro”.

Nessa data, acrescenta, “a central já terá queimado todo o ‘stock’ de carvão remanescente, pelo que irá iniciar-se a desactivação de todos os equipamentos que até agora eram necessários para a produção de energia”.

“Estes trabalhos inserem-se numa primeira fase de descomissionamento, a que se segue o desmantelamento da infra-estrutura, num processo que deverá durar sensivelmente cinco anos”, refere a mesma fonte.

Em actividade desde 1985, a central a carvão da EDP, no distrito de Setúbal, contava actualmente com 107 trabalhadores directos, aos quais foi proposto “um conjunto de diferentes opções”, desde, por exemplo, “a passagem a reforma ou pré-reforma ou o acesso a oportunidades de mobilidade dentro do grupo EDP”, adiantou fonte oficial da empresa.

Questionada sobre informação mais detalhada sobre o futuro dos trabalhadores, a EDP esclareceu que “essa informação ainda não está disponível, dado que o processo de conversação ainda decorre”.

No caso dos trabalhadores indirectos, remete esclarecimentos para as “empresas prestadoras de serviços com as quais têm contratos”.

Em relação ao futuro das infra-estruturas, a EDP adianta que “continua em estudo a possibilidade de desenvolver projectos que possam aproveitar parte das infra-estruturas existentes naquela localização”.

“O projecto para produção de hidrogénio verde é uma dessas possibilidades, mas está ainda numa fase de estudo com vários parceiros [do consórcio H2Sines]”.

Papel cada vez menor

Sines chegou a abastecer um terço da electricidade consumida em Portugal, nos anos 90, e foi perdendo peso, tendo assegurado apenas 4% do consumo eléctrico em 2020, segundo dados da REN.

De acordo com dados da gestora da rede eléctrica, a que a Lusa teve acesso, a central a carvão da EDP estreou-se com uma produção de 0,8 Terawatt-hora (TWh), o equivalente a cerca de 4% do consumo eléctrico (19 TWh).

Nos anos seguintes, o peso da central no sistema eléctrico aumentou, e em 1991 e 1992 respondeu por mais de um terço do consumo de electricidade em Portugal (34%), tendo-se mantido acima dos 25% nos anos seguintes.

As quedas mais acentuadas na produção aconteceram em 2010 – na sequência de uma paragem programada -, e em 2019 devido a condições de mercado desfavoráveis, fruto dos elevados custos (como o preço do carvão, as licenças de CO2 e outras taxas) e a uma crescente produção de energia com origem em fontes renováveis, com prioridade no sistema eléctrico.

Nestes anos, o contributo para o sistema eléctrico caiu para metade, representando 9% e 8% do consumo, respectivamente.

O recorde de produção foi alcançado em 2015, o que segundo a EDP se deveu “a uma elevada taxa de utilização (93,9%) motivada pela baixa pluviosidade e condições de mercado favoráveis ao funcionamento da central”.

Três anos mais tarde, o então presidente executivo da EDP, António Mexia, admitiu antecipar o fecho da Central de Sines, para “bastante antes de 2025”, devido ao aumento da carga fiscal aplicada às centrais a carvão, referindo-se ao fim da isenção do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) e à introdução de uma taxa de carbono através do Orçamento do Estado daquele ano.

No discurso de tomada de posse em Outubro de 2019, o primeiro-ministro, António Costa, anunciou que o seu novo Governo estava preparado para encerrar a central de Sines em Setembro de 2023, antecipando o calendário previsto para o encerramento que era “entre 2025 e 2030”.

Em 2020, a EDP decidiu antecipar o encerramento das suas centrais a carvão na Península Ibérica (em Sines e nas Astúrias, Espanha) e no final do ano recebeu autorização para encerrar actividade em Sines a partir de 15 de Janeiro.

Para produzir, a central recebia 24 a 25 navios de carvão por ano, segundo fonte oficial da EDP adiantou à Lusa. Assim, ao longo da sua vida, foram consumidos o equivalente a 699 navios de carvão, sendo o principal abastecedor a Colômbia.

Trabalhadores temem futuro

O anunciado fecho deixa os cerca de 500 trabalhadores directos e indirectos “numa situação delicada” para enfrentarem um futuro que dizem ser incerto.

“É com grande tristeza que assisto ao encerramento [da central] porque a instalação ainda podia trabalhar mais meia dúzia de anos”, lamenta Bruno Carreira, trabalhador da EDP Produção há 20 anos.

O funcionário, de 44 anos, casado e com um filho menor, foi dos primeiros a aceitar a mobilidade e divide agora os seus dias entre Sines, onde reside, e outras centrais do grupo, no Carregado (Alenquer), Lares (Figueira da Foz) e Barreiro.

Numa “situação delicada” diz estar Paulo Mota, 56 anos, trabalhador há seis anos da Zilmo, empresa de manutenção industrial. “Sinto-me muito mal, mais ainda com a conversa do ministro do Ambiente, Matos Fernandes, que disse que os 400 trabalhadores iam ter formação específica na área do hidrogénio, mas, quando a Segurança Social e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) foram à EDP fazer uma sessão de esclarecimento, disseram que não tinham conhecimento de nada”, critica.

O operador especializado, que esteve 31 anos na central termoeléctrica, em várias empresas prestadoras de serviços, recebeu a carta de despedimento no final de Dezembro e mostra-se “apreensivo” quanto ao futuro.

“Já me inscrevi no fundo de desemprego e mandei currículos para várias empresas na minha área na esperança de conseguir” trabalho, adianta.

Já Rui Galindro, funcionário da EDP há 35 anos, não esquece aquela que considera ter sido “a pior forma de anunciar” o encerramento da central, durante a tomada de posse do actual Governo.

Fruto desse anúncio, “a EDP ficou como ‘peixe na água’, porque tinha uma data de encerramento político que iria utilizar de duas formas: uma para ‘sacar mais uns cobres’ ao Estado e outra para jogar com a falta de rentabilidade por via dos impostos suportados pela central”, opina.

Este operador de produção térmica, de 58 anos, recusa chamar “processo negocial” ao modelo “mais ou menos imposto” pela EDP para a pré-reforma.

Sem opções está Manuel Ferreira, de 52 anos, que terminou o contrato com a empresa de manutenção ATM, em Novembro, após 22 anos “a passar por várias empresas” prestadoras de serviços.

Com a cessação do contrato, Manuel, residente em Vila Nova de Santo André, no vizinho concelho de Santiago do Cacém, inscreveu-se no IEFP. Está agora a receber o subsídio de desemprego, que lhe vale “menos 300 euros” na “carteira”.

Autarcas apreensivos

O presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, considerou que “face à conjuntura existente” o momento de encerramento “não foi o mais indicado”.

“Independentemente de as decisões serem políticas ou económicas, julgamos que havia margem para que esta central continuasse a laborar por mais algum tempo, até porque o país continua a importar energia”, frisou o autarca socialista.

“Foi uma decisão tomada pela EDP, mas temos de nos concentrar naquilo que é o mais importante e encontrar alternativas para os trabalhadores que directa ou indirectamente exerceram funções durante muitos anos nesta central”, sublinhou.

Para o autarca, compete não só ao Governo arranjar alternativas para os trabalhadores que ficaram no desemprego, mas também ao município alentejano que “deve dar o seu contributo no sentido de encontrar soluções”.

“Estamos também a trabalhar com a EDP e com o IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional] para encontrar soluções locais que possam dar resposta a estes trabalhadores que vão ficar, durante algum tempo, no desemprego”, acrescentou.

Com cerca de 50% dos trabalhadores da central a residirem no concelho vizinho de Santiago do Cacém, a preocupação do presidente da Câmara Municipal, Álvaro Beijinha, recai nos “trabalhadores que vão para o desemprego”.

“Desde a primeira hora que manifestámos essa preocupação porque esta questão deve ser vista a dois níveis: a primeira são os trabalhadores com vínculo directo à EDP que, à partida, terão os seus direitos assegurados, e a segunda são os trabalhadores das empresas prestadoras de serviços, com vínculo precário”, frisou.

No entender do autarca, “se a opção de encerrar a central a carvão de Sines é com o objectivo maior de ter um ambiente melhor, se calhar o país tem de pagar esse custo e assumir de facto as questões sociais relativamente a estes trabalhadores”, defendeu.