Somos os últimos responsáveis pela informação que consumimos
Quem manda na informação que consumimos? Nós ou os algoritmos? E quem deve regular a informação veiculada pelas redes sociais? Em última análise, todos nós. Ou pelo menos, assim defendem os oradores da primeira PSuperior Talk deste ano, que decorreu esta terça-feira com o tema “A comunicação na era dos algoritmos: decides tu ou decidem por nós”.
No que diz respeito à informação — ou à desinformação — que consumimos diariamente na Internet, somos todos responsáveis. Responsáveis pela forma como alimentamos os algoritmos que depois nos devolvem informação seleccionada de acordo com o perfil que ajudamos a traçar. E responsáveis por exercer a auto-regulação.
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No que diz respeito à informação — ou à desinformação — que consumimos diariamente na Internet, somos todos responsáveis. Responsáveis pela forma como alimentamos os algoritmos que depois nos devolvem informação seleccionada de acordo com o perfil que ajudamos a traçar. E responsáveis por exercer a auto-regulação.
Os oradores do primeiro debate das Talks do PSuperior deste ano, subordinado ao tema “A comunicação na era dos algoritmos: decides tu ou decidem por nós”, foram unânimes: a solução tem de partir do consumidor e tem de passar por consumidores cada vez mais conscientes e conhecedores do funcionamento dos algoritmos.
E já. O momento assim o exige, como sublinhou logo na abertura do debate, a reitora da Universidade Católica Portuguesa (UCP), Isabel Capeloa Gil. Face à “radicalização do discurso político”, no Mundo e também em Portugal, e numa altura em que “a pandemia alterou radicalmente a nossa forma de estar no mundo”, os consumidores têm de “seleccionar" o que querem ler, ouvir, ver. E o papel dos media tradicionais e do “jornalismo de qualidade” torna-se ainda mais relevante, defendeu.
Ao longo do debate, transmitido em directo no site, no Facebook e no YouTube do PÚBLICO, foi mencionada mais do que uma vez a “opacidade” de alguns algoritmos. O jornalista de dados do PÚBLICO Rui Barros começou por explicar o que são os algoritmos e como funcionam, usando como analogia duas imagens, a de um picador de carne e a de uma máquina de cortar massa. Dependendo do que colocamos na máquina, o resultado devolvido é diferente. “Os algoritmos processam dados e produzem um output. Fazem aquilo que nós lhes pedimos. O problema é que às vezes não somos muito bons a pedir”. Seja com intenção, seja porque não sabemos como pedir o que queremos. Acresce que “os algoritmos não são neutros. Quem está por detrás de um código tem uma visão do mundo”, explicou.
O jornalista Rui Barros sabe do que fala, uma vez que no jornal usa precisamente algoritmos para analisar grandes volumes de dados e produzir informação relevante a partir do que ali encontra. Durante a pandemia, como lembrou, analisou cerca de 17 mil contratos públicos, com o objectivo de os classificar em categorias, de perceber onde o dinheiro dos contribuintes estava a ser gasto.
Para o professor de Direito da Católica Pedro Garcia Marques, “é indiscutível que o desenvolvimento humano passa pela tecnologia”, mas há um “mas”, há “vantagens” mas também há “ameaças”, como uma “vontade individual adormecida" — hoje, também à conta do Regulamento Geral de Protecção de Dados, é-nos dada a toda a hora a possibilidade de exercermos a nossa vontade, mas nós “não nos damos ao trabalho” de o fazer —, como “a publicitação do privado” e como o facto de a realidade virtual, alimentada pelos nossos actos, “poder gerar micro danos, que são por vezes geradores de macro-danos, que limitam o nosso futuro”. "Quem decide? Infelizmente, decidimos nós. O problema é que nós não sabemos que estamos a decidir”, comentou.
Se alguém tem informação que nos compromete ou sabe demasiado sobre a nossa vida, tem poder sobre nós, pode manipular-nos. Para Marta Sitú, “com os algoritmos passa-se a mesma coisa”. A aluna de mestrado em Ciências da Comunicação da UCP lembrou a já velha máxima: “não nos podemos esquecer que o que está na Internet fica para sempre na Internet”. Em redes sociais como o Facebook “temos acesso à informação que os algoritmos calcularam ser do nosso interesse”. “É um ciclo vicioso”, que não se quebrará enquanto os utilizadores encararem o que lhes é dado “como o todo”, explicou Marta Sitú, acrescentando que este modo de funcionamento é ainda pior se pensarmos que a informação segmentada “chega com uma capa de neutralidade”.
O CTO da Mediabrands (parceira do PÚBLICO, tal como a Católica, nesta talk), João Nunes, também falou da “bolha algorítmica" — como lhe chamou João Pedro Pereira, o jornalista da casa que moderou do debate. Para admitir que a publicidade, a sua área de intervenção, teve um dedo na segmentação de audiências de acordo com os perfis dos consumidores. Há dez anos, quando o Facebook via aumentar exponencialmente o seu número de utilizadores e passou a fazer “curadoria” do que apresentava em vez de mostrar os conteúdos de forma cronológica, lançaram-se as bases para “o desenvolvimento, em finais da última década, daquilo a que vulgarmente se chama de publicidade programática”. João Nunes lembrou “a tendência que temos de procurar informação que reforce a nossa forma de pensar” e sublinhou que “alguns actores políticos tiraram partido disso”.
E por falar em actores políticos, mas também em fake news, em redes sociais e em liberdade, era inevitável que o debate abordasse Donald Trump e a recente decisão do Twitter de o banir permanentemente da rede social. Com a questão a dividir o painel. O professor de Direito Pedro Garcia Marques mostrou-se contra a decisão pelo seu carácter permanente e por “não ter havido demonstração” de que Trump tem responsabilidades na violência que levou ao assalto ao Capitólio. E sublinhou “estar a defender as liberdades” e “não a pessoa”. Marta Sitú achou “preocupante” a decisão unilateral. João Nunes e Rui Barros observaram que se há regras e se o ainda presidente dos EUA as infringiu, nas palavras do jornalista do PÚBLICO, o Twitter “tem todo o direito de não querer aquele ou outro indivíduo na sua rede”.
Abordando o tema das fake news e de como a sobrecarga de informação nas redes sociais ajuda a espalhá-las, João Nunes partilhou o exemplo do Observatory on Social Media, da Universidade de Indiana, e defendeu que qualquer esforço regulatório deve ter em conta “o bem-estar do consumidor”. “Em última análise, a responsabilidade é de todos nós”, concluiu. Na procura de fontes alternativas de informação, credíveis, no fack-checking, ao pensarmos antes de partilharmos.
Se estamos melhor ou pior com a tecnologia? “É demasiado cedo para dizer”, respondeu Pedro Garcia Marques. Mas estamos seguramente “diferentes”, completou Marta Sitú.
A série de debates do PSuperior é uma das principais componentes deste projecto de literacia mediática, que, como explicou o director do jornal, Manuel Carvalho, na abertura desta talk, dá “acesso gratuito e sem restrições a todos os conteúdos que o PÚBLICO produz” e pretende “instigar o debate sobre temas absolutamente essenciais para os nossos tempos" entre os estudantes do ensino superior.
A próxima talk do PSuperior é no dia 26 de Janeiro, sobre “Democracia e Estado de Direito: uma relação ameaçada”.