EUA: uma nação subdesenvolvida
Os EUA são uma nação subdesenvolvida ou, pelo menos, ultra-ineficiente na utilização da riqueza produzida para a criação de um país sustentável, equilibrado e feliz.
A tentativa de golpe de Estado que aconteceu no dia 6 de Janeiro de 2021 nos EUA, protagonizada por arruaceiros incitados pelo presidente derrotado Donald Trump, é, nas palavras do anterior presidente George W. Bush, própria de uma “república das bananas”.
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A tentativa de golpe de Estado que aconteceu no dia 6 de Janeiro de 2021 nos EUA, protagonizada por arruaceiros incitados pelo presidente derrotado Donald Trump, é, nas palavras do anterior presidente George W. Bush, própria de uma “república das bananas”.
Parece paradoxal que tal atentado à democracia, e ao regular funcionamento das instituições, aconteça naquela que tem sido a maior potencial mundial. Mas, uma análise cuidada mostra que tal não é surpreendente: na verdade, os EUA são uma nação subdesenvolvida e uma democracia debilitada.
Se é certo que os EUA são a maior economia do mundo, a maior potência militar mundial, a pátria de 1/3 de todos os bilionários (segundo a revista Forbes) e o país com mais bilionários em todo o mundo, a sua grandeza fica-se por aí.
É verdade que os EUA são sede de muitas multinacionais, dispõem de muitas patentes (logo, inovação tecnológica) e até empregam (nas suas universidades de topo) muitos prémios Nobel. Mas isso é a causa e consequência do seu foco na criação de riqueza material.
De resto, os EUA são uma nação subdesenvolvida ou, pelo menos, ultra-ineficiente na utilização da riqueza produzida para a criação de um país sustentável, equilibrado e feliz.
As estatísticas são claras:
- na esperança média de vida (EMV), os EUA estavam, em 2018, na 47ª posição no ranking mundial, imediatamente acima da Albânia (48º) e atrás de Cuba (45º), da Costa Rica (36º) ou de Portugal (30º). Os EUA são, também, o país que mais gasta, per capita, em despesas de saúde em % do PIB (16,89% em 2018), com os fracos resultados atestados pela relativamente baixa EMV, o que comprova a sua gritante ineficiência na produção de saúde.
- ainda na saúde, os EUA estão na posição 47 na taxa de moralidade de crianças até aos 5 anos, com 6,5 mortes por mil nascimentos, atrás de Portugal (na posição 28, com 3,7) ou da Islândia (no segundo lugar, com apenas 2 mortes por mil nascimentos); é ainda, na OCDE, dos únicos países que não tem 100% da população coberta por serviços de saúde, com apenas 91,2% da população protegida dos riscos de saúde devido à inexistência de um serviço nacional de saúde universal.
- na educação, estão na posição 66 (numa lista de 191 países) no que respeita a gastos em educação em % do PIB, gastando apenas 5% do PIB, contra os 8% da Noruega (na posição 8) ou os 12,9% de Cuba, que lidera a lista.
- por outro lado, é um país em constante guerra consigo próprio e com os outros, sendo dos países com mais despesas militares per capita, estando na 3ª posição (atrás de Israel e da Arábia Saudita, numa lista de 172 países); é o país do mundo onde existem mais armas na posse de civis (uma média de 1,2 armas por civil, mais do dobro do segundo mais armado, a Arábia Saudita, com 0,5 armas por civil); o país do mundo com mais encarcerados por cem mil habitantes, 655 (contra 125 em Portugal, 120 na China e 39 no Japão); é um país onde morrem, por ano, cerca de 5 pessoas por cada cem mil habitantes vítimas de homicídio, o pior registo entre os países ricos (só ultrapassado pelas 8,21 da Rússia), contra uns muito mais civilizados 0,79 de Portugal.
- é um país muito poluidor, emitindo 16,1 toneladas de CO2 per capita, por ano, quando outras potências económicas, como o Japão ou a China, emitem cerca de metade, 9,4 e 8 toneladas per capita, respectivamente; ao nível da pegada ecológica, ocupa a quinta aposição mundial como mais gastador dos recursos naturais do planeta, com 8,22 hectares globais por pessoa, enquanto que Portugal gasta apenas 3,88 hectares globais por pessoa (posição 60) e o Japão 5 hectares globais por pessoa (posição 42).
- é o país rico com maior desigualdade na distribuição do rendimento, com os 10% mais ricos a terem um rendimento 18,5 vezes maior do que o dos 10% mais pobres (tão desigual como o Ruanda com 18,6 ou a Venezuela com 18,8), contra umas muito menores 5,6 vezes na Finlândia e 4,5 vezes no Japão (modelos neste indicador); é ainda uma nação em que as pessoas são completamente desprotegidas face a situações de carência no rendimento, uma vez que o rendimento mínimo garantido nos EUA apenas garante 6% do rendimento disponível mediano da nação, enquanto que no Japão esse valor é de 64%, na Dinamarca 62% e na Irlanda 59% (os líderes da tabela).
- é um país com uma elevada taxa de suicídios, com 13,7 suicídios por cem mil habitantes, o quarto maior número de entre os países ricos (pior só a Bélgica com 15,7, o Japão com 14,3 e a Suécia com 13,8), muito longe de Portugal que tem 8,6 ou da Itália com 5,5; Ao mesmo tempo, é o país do mundo com a mais alta prevalência de consumo de cocaína, com 2,7% da população entre os 15 e os 65 anos a terem, num dado ano, consumido pelo menos uma vez cocaína, contra os apenas 0,2% de Portugal ou 0,03% do Japão.
- é um país que tem uma posição muito abaixo do que devia, face à riqueza produzida, no ranking mundial da felicidade, ocupando a 18ª posição, ultrapassado pela Costa Rica (15ª posição) e seguido pela República Checa (19ª posição).
É uma nação confessional, que tem escrito nas suas notas “Acreditamos em Deus”, pátria de múltiplas confissões religiosas como os Mórmons, a Cientologia ou múltiplos credos evangélicos, que permite o ensino do criacionismo ou do terra-planismo, o que facilita a criação de gente dogmática que acredita em tudo que vê nas redes sociais, ou o que é dito por vigaristas carismáticos (como Trump), alimentado teorias da conspiração e a propagação de mentiras.
É uma democracia muito dependente do poder do dinheiro, apenas com dois partidos, com um sistema não proporcional com círculos uninominais, o que facilita a ascensão de loucos ao poder (e que alguns querem importar para Portugal não falando deste grave risco), mesmo contra a vontade da maioria (como na eleição de Trump).
É um país que tem um modelo de sociedade baseado no risco e no medo (de perder o emprego, de ir preso, de levar um tiro) e que gasta imensos recursos em litigância e seguros. Funciona para criar empresas dinâmicas e domínio militar à escala global, mas não para gerar sustentabilidade mundial nem felicidade interna.
Os fanáticos alucinados que invadiram o Capitólio foram atrás de Trump, mas podem ir atrás de qualquer manipulador do mesmo tipo que consiga chegar ao poder. E, da próxima vez, pode não haver volta, e criar-se uma ditadura nos EUA (como previu Margaret Atwood, em 1985, no seu romance Handmaid’s Tale).
Há, nos EUA, uma base assustadoramente grande de insanos (alguns mesmo no sentido clínico do termo) que não tem paralelo nas ouras nações desenvolvidas (veja-se o vizinho Canadá) e que se manifesta nos tiroteios nas escolas, na violência nos bairros pobres ou nas organizações ou movimentos dementes como o KKK ou o QAnon. Numa nação civilizada essa base seria clinicamente tratada e atacadas as condições que a deixam crescer: nomeadamente a pobreza, a desigualdade, o fanatismo e a anomia social.
É uma nação não humanista em que ainda existe a pena de morte.
Uma nação assim, não pode ser o farol do mundo.
É tempo da Europa assumir esse papel.