Voltemos pois a confinar

O reforço do nosso Serviço Nacional de Saúde é urgente e a única opção aceitável a curto, médio e longo prazo. Não só pelos doentes agudos de covid-19 mas por todos os que, com as sequelas deixadas pela infecção, se tornarão crónicos nos próximos anos.

Foto
"O afrouxamento das medidas no Natal foi um erro. E não foi por falta de aviso dos especialistas" Reuters/LUCY NICHOLSON

Nos últimos dias a covid-19 voltou a ocupar demasiado espaço na nossa vida. Se é verdade que a infecção nunca desapareceu também é verdade que, de uma maneira ou de outra, nos começámos a acostumar ao tal “novo normal” onde a máscara se tornou parte integrante do nosso visual e onde desinfectar as mãos com frequência se tornou uma rotina. Acontece que os números assustadoramente elevados de internamentos por covid-19 nos últimos dias nos empurraram para o ponto que o confinamento precoce nos permitiu evitar na primeira vaga: o ponto onde o nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS) atingiu a ruptura.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Nos últimos dias a covid-19 voltou a ocupar demasiado espaço na nossa vida. Se é verdade que a infecção nunca desapareceu também é verdade que, de uma maneira ou de outra, nos começámos a acostumar ao tal “novo normal” onde a máscara se tornou parte integrante do nosso visual e onde desinfectar as mãos com frequência se tornou uma rotina. Acontece que os números assustadoramente elevados de internamentos por covid-19 nos últimos dias nos empurraram para o ponto que o confinamento precoce nos permitiu evitar na primeira vaga: o ponto onde o nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS) atingiu a ruptura.

É verdade que ninguém no Governo o assumiu ainda frontalmente, mas não duvide o caro leitor que, neste momento, a situação em Portugal é crítica com todos os hospitais na red line e uma dificuldade cada vez maior em arranjar vagas para os doentes covid-19, especialmente em unidades de cuidados intensivos (UCI). Ao coronavírus juntou-se uma vaga de frio e o Inverno, sempre caótico nos hospitais portugueses, ganhou toda uma nova dimensão este ano. E para aqueles que vão repetindo, tipo disco riscado, que “o SNS colapsa todos os anos” deixem-me avançar alguns dados.

De acordo com a avaliação nacional da situação das UCI em Portugal, realizada em 2016, o nosso país dispunha de 467 camas de cuidados intensivos polivalentes. Acreditando que foi feito um reforço nos últimos anos, a nossa capacidade normal de internamento em UCI rondará as quinhentas camas. Acontece que hoje, dia 11 de Janeiro, só contabilizando os doentes críticos covid-19, temos ocupadas 567. E os doentes não-covid não deixaram de precisar de UCI. Não é difícil perceber que estamos numa situação absolutamente inédita no nosso país, certo? Nunca tantas camas de cuidados intensivos estiveram ocupadas em Portugal até porque, há poucos meses, este número de camas sequer existia.

E para os que vão gritando zangados “pois que se recorra ao privado” também não tenho boas notícias. É que não só existem poucas unidades de cuidados intensivos no sector privado como as existentes já estão também a atingir o limite da sua capacidade. Por muito que afirmar isto seja incómodo para alguns, a verdade é que atingimos o ponto em que vimos Itália e Espanha durante a primeira vaga. E é nesse ponto que os médicos começam a decidir que doentes terão direito a um ventilador e que doentes não terão essa oportunidade.

Eu percebo, juro que percebo, o desespero de quem vê as portas dos seus negócios voltarem a fechar. Também percebo que é importante tentar manter a nossa agónica economia viva, mas não sei qual é a outra opção que temos neste momento sem ser voltar ao confinamento para aliviar a pressão sobre o SNS. E não aceito o miserável argumento do “deixar morrer quem tem de morrer”. Porque muitas pessoas não têm de morrer se tivermos recursos disponíveis para as salvar.

O afrouxamento das medidas no Natal foi um erro. E não foi por falta de aviso dos especialistas. No início de Dezembro o famoso Rt (índice de transmissibilidade) estava abaixo de 1. Hoje estamos num valor aproximado de 1.42 o que é um aumento imenso. Se no início de Dezembro dez pessoas infectadas conseguiam em média infectar outras dez (ou menos), hoje cada dez infectados infectam mais de 14 pessoas. E, repito, o nosso SNS não está preparado para as consequências.

Não percebo absolutamente nada de economia e pouco consigo dizer sobre o assunto que não seja um qualquer chavão. Mas espero que os entendidos façam opções coerentes e que usem a tal bazuca europeia para ajudar os que vão ver o novo confinamento arrasar os seus negócios em vez de, mais uma vez, se investirem em projectos megalómanos que dão lucro sempre aos mesmos (vêem? Eu bem disse que não passo do senso comum). Acontece que conheço o SNS por dentro, que o defendo com unhas e dentes, mas que o sei finito e demasiado próximo do limite.

O reforço do nosso Serviço Nacional de Saúde é urgente e a única opção aceitável a curto, médio e longo prazo. Não só pelos doentes agudos de covid-19 mas por todos os que, com as sequelas deixadas pela infecção, se tornarão crónicos nos próximos anos. Além disso, como todos sabemos, as outras doenças não deixaram de existir e se é óbvio que temos de tratar primeiro os mais urgentes, não é menos óbvio que não podemos abandonar os demais (sabemos agora que por cada cem mortos causados pela covid-19 existiram 46 mortes colaterais por atrasos nos diagnósticos ou tratamentos).

Por agora, em colapso, parece-me que pouco mais podemos fazer do que confinar pelo período que se espera o estritamente necessário para aliviar o SNS. Isso e aprender com os erros que foram cometidos, pelo Governo e por cada um de nós, durante os últimos meses. Mas se, por acaso, tiverem por aí uma melhor solução, juro que sou toda ouvidos.