Gary Bartz: “‘Jazz’ é um mau termo, não significa nada. Se ouvirmos um acidente automóvel, o estrondo não tem nome, é um som”
O saxofonista Gary Bartz recorda-se bem do primeiro Cascais Jazz de 1971, quando a PIDE levou Charlie Haden para interrogatório. Ele estava lá, na companhia de Miles Davis. No seu octagésimo aniversário, o norte-americano sopra as velas com dois discos ao lado de novos (os ingleses Maisha) e velhos (Woody Shaw) amigos.
Numa altura em que se contam pelos dedos de uma mão as publicações que não enchem páginas com a designação “new british jazz”, e em que os respectivos intérpretes saltam para o mainstream dos grandes festivais (ou saltavam, agora que a pandemia deixou tudo em suspenso), os ingleses Maisha (cuja figura mais proeminente será a saxofonista Nubya Garcia, que este ano editou a solo Source), uma das pontas de lança desse movimento, convidaram Gary Bartz, saxofonista (alto e soprano) e nome histórico do jazz norte-americano, para um disco gravado em estúdio num só take. Estúdio mesmo, não a “sala” de uma plataforma de comunicação virtual — o que se ouve em Night Dreamer Direct-To-Disc Sessions corresponde, por isso, a uma gravação, apetece dizer, de “outros tempos”, i.é, pré-corona, e na qual velhos e novos, feitiçeiros e aprendizes, puderam re-trabalhar alguns dos temas de Mestre Bartz (Uhuru Sasa e Doctor Follows Dance) e criar outros de raiz. Juntos fisicamente, verdadeiramente cara-a-cara, sem distâncias nem mascarilhas, não fossem os olhares, um esgar, o balanço do tronco ou um meneio do pescoço elementos tão fundamentais numa jam como a habilidade para tocar o instrumento (especialmente uma jam na qual se grava directamente para a fita, sem espaço para repetições ou correções).