A avaria do “elevador social”
A educação pode não permitir uma absoluta igualdade de oportunidades a todos os cidadãos e ultrapassar todas as formas de discriminação, mas pode fazer mais do que faz atualmente, tanto no que se refere ao acesso aos diversos níveis de educação, como às aprendizagens que promove. E contribuir para melhorar o funcionamento do chamado “elevador social”.
É muitas vezes afirmado o papel da educação como “elevador social”, na medida em que a frequência de níveis mais avançados de educação permite melhorar as oportunidades sociais e profissionais, aceder ao conhecimento e à fruição de bens culturais, desenvolver competências valorizadas profissionalmente e atingir níveis de rendimento superiores. As estatísticas dizem-nos que, em Portugal, o rendimento médio de quem possui qualificações de nível superior é quase 70% mais elevado do que quem possui apenas o diploma de ensino secundário. Só que nem todos têm a mesma oportunidade de lá chegar.
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É muitas vezes afirmado o papel da educação como “elevador social”, na medida em que a frequência de níveis mais avançados de educação permite melhorar as oportunidades sociais e profissionais, aceder ao conhecimento e à fruição de bens culturais, desenvolver competências valorizadas profissionalmente e atingir níveis de rendimento superiores. As estatísticas dizem-nos que, em Portugal, o rendimento médio de quem possui qualificações de nível superior é quase 70% mais elevado do que quem possui apenas o diploma de ensino secundário. Só que nem todos têm a mesma oportunidade de lá chegar.
A educação pode não permitir uma absoluta igualdade de oportunidades a todos os cidadãos e ultrapassar todas as formas de discriminação, mas pode fazer mais do que faz atualmente, tanto no que se refere ao acesso aos diversos níveis de educação, como às aprendizagens que promove. E contribuir para melhorar o funcionamento do chamado “elevador social”.
O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, aprovado em 2017, é uma referência essencial no que se refere às competências – conhecimentos, capacidades e atitudes – que qualquer cidadão deve possuir. Estas competências estão em linha com as que a grande maioria dos trabalhos internacionais aponta como sendo necessárias para o futuro de todos os cidadãos.
Nos cursos científico-humanísticos do ensino secundário, a maioria dos alunos visa ingressar num curso superior, pelo que os critérios de acesso condicionam fortemente o funcionamento destes cursos. Em 2017, 80% dos diplomados dos cursos científico-humanísticos ingressaram no ensino superior. Como os resultados dos exames nacionais do ensino secundário, usados como provas específicas, têm um peso na nota de acesso que pode chegar a cerca de 2/3, são determinantes para os candidatos entrarem nos cursos pretendidos, sobretudo naqueles que têm uma procura muito superior ao número de vagas. Como os exames avaliam sobretudo conhecimentos disciplinares, o foco nestes resultados prejudica a aquisição de muitas das competências essenciais a qualquer cidadão.
A aquisição destas competências na escola é especialmente importante para os alunos de meios social e culturalmente mais desfavorecidos que têm menos oportunidades de as desenvolver nos seus contextos sociais e porque, genericamente, as instituições de ensino superior não consideram sua responsabilidade promovê-las. Como existe uma correlação entre os resultados escolares, as qualificações académicas dos pais e o meio socioeconómico, não só os alunos mais desfavorecidos têm piores resultados escolares, como não têm a mesma oportunidade de desenvolver competências necessárias à sua vida futura.
Procurar formas de reduzir os efeitos discriminatórios na transição entre o ensino secundário e o ensino superior foi um dos objetivos que presidiu à elaboração da recomendação sobre o acesso ao ensino superior e a articulação com o ensino secundário, aprovada recentemente pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Esta recomendação visa igualmente dar resposta à necessidade de mudança, expressa por professores e escolas secundárias, para ultrapassar o condicionamento imposto pelo sistema de acesso.
A mudança encontra, no entanto, obstáculos. Por um lado, pela convicção, falsa, mas muito difundida, de que os exames avaliam o essencial das aprendizagens que a escola deve promover, por outro, ao considerar que os exames são justos porque colocam todos os alunos em pé de igualdade, o que ignora nem todos tiveram as mesmas oportunidades de aprendizagem. Finalmente, também por receio de instabilizar o sistema de acesso.
Sem propor soluções imediatas, a recomendação visa alargar os horizontes de pesquisa de caminhos para o sistema de acesso ao ensino superior e para a articulação com o ensino secundário, com base em investigação e em estudo de diferentes soluções, designadamente adotadas noutros países. E, assim, contribuir para que a discussão não fique confinada apenas ao debate de classificações internas e de exames. As soluções concretas deverão ser desenvolvidas com base em conhecimento, testadas e introduzidas de forma gradual e acompanhada, para evitar desestabilizar o sistema.
Noutros países são usados critérios diversos, designadamente com o objetivo de melhorar as oportunidades reais dos mais desfavorecidos e adequar a seleção dos candidatos ao seu potencial e capacidade de sucesso no ensino superior. A experiência desses países, com os seus resultados e dificuldades, pode sugerir caminhos a serem trabalhados e testados em Portugal.
A França e a Inglaterra, por exemplo, introduziram e estão a introduzir alterações cujos resultados merecem ser estudados. Em França, este ano, a pandemia e o cancelamento do Bac obrigaram à utilização de critérios de seleção diferentes dos habituais, com Sciences Po a receber um corpo de alunos socialmente mais diversificado e algumas escolas de engenharia e de comércio a avaliar positivamente o resultado do acesso e a equacionar manter o processo, mesmo que no futuro seja realizado o Bac. Em Inglaterra, a avaliação do sistema de acesso levou à elaboração de propostas de alteração. Por seu lado, a Escócia tem como objetivo que o corpo estudantil reflita a composição social, para o que conta com processos e critérios que visam contrariar a discriminação social no prosseguimento de estudos no ensino superior.
Sem sair de Portugal, a experiência das provas de aptidão profissional, dos cursos profissionais do ensino secundário, pode servir de modelo para uma prova a introduzir nos cursos científico-humanísticos. Aquelas provas envolvem a realização de um projeto, a preparação de um relatório e a sua defesa perante um júri no qual participam elementos externos à escola. É um processo que se presta a promover e avaliar capacidades e atitudes que os exames não avaliam. Por outro lado, a participação externa permite equacionar uma moderação que contribua para a comparabilidade dos resultados dos alunos ou, em alternativa, os resultados podem ser traduzidos em percentis, à imagem da classificação ECTS usada na comparabilidade europeia de resultados do ensino superior.
Este é apenas um exemplo que pode contribuir para que as aprendizagens nos cursos científico-humanísticos fiquem mais alinhadas com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e cujos resultados podem ser usados no acesso ao ensino superior, tendo em vista alargar o leque de competências considerado.
Várias outras abordagens, usadas noutros países, podem ser consideradas com o objetivo de melhorar a qualidade das aprendizagens no ensino secundário e a equidade no acesso ao ensino superior. E, assim, contribuir para a reparação da avaria do “elevador social”.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico