Um físico atravessa a estrada
Porque não realizar encontros periódicos entre cientistas e decisores políticos? Porque não a participação mais activa de empresas na universidade e investigação? Porque não a criação de institutos de estudo avançado em Portugal? Porque não a estabilidade na agência de financiamento de investigação?
Imagine um ambiente hostil, que muda a cada segundo com regras desconhecidas, onde deve sobreviver e educar a sua prole. A adaptação é quase por necessidade caótica, neste ambiente errático. Em alternativa, pode tentar mudar a premissa deste mau jogo, instalando equilíbrio e calma à sua volta, deixando o factor errático no exterior. A sua missão passaria por criar estabilidade, leis e valores nos quais se possa apoiar, e pelos quais se possa guiar.
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Imagine um ambiente hostil, que muda a cada segundo com regras desconhecidas, onde deve sobreviver e educar a sua prole. A adaptação é quase por necessidade caótica, neste ambiente errático. Em alternativa, pode tentar mudar a premissa deste mau jogo, instalando equilíbrio e calma à sua volta, deixando o factor errático no exterior. A sua missão passaria por criar estabilidade, leis e valores nos quais se possa apoiar, e pelos quais se possa guiar.
Esta conduta pode chamar-se ciência, a procura de padrões no que nos rodeia, de forma a criar uma estabilidade, uma forma de descrever, prever e controlar o que nos rodeia. A física reduziu a descrição de todos os fenómenos a uma mão cheia de interacções fundamentais. É um feito extraordinário. Mais do que o produto final, herdámos o método científico, a troca cuidadosa de ideias e argumentos e a comparação com a observação e a experiência, para se chegar a um entendimento mais preciso, ainda que em evolução. Sempre em evolução.
O cenário acima descreve razoavelmente bem também a universidade, a nossa e a do mundo. Cada professor universitário forma milhares de alunos, de cidadãos, ao longo da sua carreira. “Formar” significa expor o que aprendemos enquanto sociedade ao longo dos séculos. Numa era maravilhosa com enormes quantidades de dados ao dispor, a universidade tem o papel fundamental de mostrar como transformar dados em informação, de a interpretar, de questionar como essa informação foi obtida, ou de decidir que informação extra é necessária para se tomarem decisões. A universidade forma, por isso, a sociedade. Não é possível desenlaçar uma da outra. Mas é possível, e desejável, uma maior participação de ambas na missão de formar uma sociedade mais coesa, uma sociedade do conhecimento verdadeira. É imprescindível a participação de todos neste esforço.
Celebrámos no ano que acabou as quatro décadas do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico (IST), um departamento de referência num instituto de referência internacional. Quem não se lembra da primeira imagem de um buraco negro, ou da descoberta do bosão de Higgs? O ensino da física encapsula tudo o que procuramos e desejamos enquanto sociedade: um conhecimento aprofundado dos fenómenos que nos rodeiam, sem margem para dogmas; a discussão racional entre pares; o gosto pela aprendizagem; e a naturalidade com que as fronteiras são exploradas. Como um de inúmeros exemplos, a descoberta das ondas gravitacionais está a abrir novos caminhos na engenharia para a detecção atempada de sismos, com consequente impacto em milhões de vidas humanas.
Este ano o IST começa uma (r)evolução no ensino, reestruturando a oferta de tópicos e métodos de ensino. Enquanto sociedade/universidade queremos que nós e os nossos alunos falem matemática e física, que saibam olhar à volta e ver a matriz do que nos rodeia. Que sejam letrados digitalmente. Queremos uma verdadeira sociedade aberta, onde o aluno se realize enquanto ser humano quer na faceta científica quer humanista, que saiba celebrar a vida, olhando e pensando, que tenha ao dispor opções universitárias onde se possa completar. E onde, enquanto se completa, se prepara para uma sociedade em evolução. E queremos, precisamos, de cidadãos que saibam intervir desde cedo, com criatividade, que saibam tomar decisões eticamente responsáveis, e informadas.
Ensinar a aprender requer saber aprender, saber o que se faz de mais actual de forma fundamentada. Não é possível ensino superior de qualidade sem investigação fundamental. Ensinar autonomia e independência requer autonomia e independência universitária. Ensinar e formar os melhores requer atrair os mais talentosos. Precisamos, portanto, de valorização dos docentes, flexibilização de todo o processo de contratação e promoção. Investimento. Queremos da universidade o melhor, temos que lhe dar o melhor. E tudo isto requer que todos nós nos empenhemos, que exijamos da universidade, e que demos à universidade. Porque não realizar encontros periódicos entre cientistas e decisores políticos? De que outra forma nos podemos inteirar das possibilidades ao nosso alcance? Porque não a participação mais activa de empresas na universidade e investigação? Porque não a criação de institutos de estudo avançado em Portugal? Porque não a estabilidade na agência de financiamento de investigação?
Foi Galileu quem enunciou o princípio da inércia: que o estado natural dos corpos, na ausência de forças exteriores, é o movimento. O descanso (etimologia: “des”, um prefixo negativo, mais “cansar”, que deriva do latim campsare, “rodear algo, dobrar uma ponta de terra”) é apenas o limite da lentidão. Saibamos, todos nós, acompanhar a mudança com calma e confiança.