Dia 133: As mães dos filhos adultos também têm direito a fazer birras
O nosso protesto é contra os manuais de pedagogia politicamente correctos que vilipendiam todos os pais que criticam os filhos, mas que não dedicam uma palavrinha que seja aos filhos que criticam constantemente os seus queridos paizinhos.
Querida Ana,
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Querida Ana,
Lamento começar o ano de 2021 com uma enorme birra, mas faço-a em nome das mães de filhos adultos — sim, continuam a ser mãe —, e com a certeza de que só peca por tardia. Ah, querida filha, queres saber o assunto da birra? Pois, mas como sabes bem de mais, primeiro são os gritos e os pontapés e só depois, e a custo, se explicam as razões da explosão.
Pronto, já inspirei fundo.
O nosso protesto é contra os manuais de pedagogia politicamente correctos que vilipendiam todos os pais que criticam constantemente os filhos e que não perdem uma ocasião de lhes mostrar como falharam, mas que não dedicam uma palavrinha que seja aos filhos que criticam constantemente os seus queridos paizinhos e não perdem uma ocasião de lhes mostrar como falharam. Para não falar nos “especialistas” que nos recordam constantemente que podemos traumatizar uma criança com duas palavras mais agressivas, e por em risco a sua saúde mental quando não lhes mostramos o apreço merecido, mas que provavelmente se sentem legitimados a por a mãezinha na ordem.
Ah, Ana, e convém esclarecer, não estamos (só) a falar de crianças ou de adolescentes tomados pelas hormonas, mas de filhos adultos que não desistem de educar os pais: “Mãe, não podia ter estado calada?”, “Lá está a mãe outra vez com essa mania...”, “Mãeeee, como é possível que tenha comentado o vestido da namorada do primo Augusto, em frente da tia Verónica!”, “Oh mãe, ninguém já pensa assim há pelo menos trezentos anos”, e a lista podia continuar infindável.
Espera, é que há pior. Os filhos tendem a coligar-se nestas ocasiões, e enquanto ‘um diz mata, o outro diz esfola’, não fazendo a menor cerimónia em desenterrar e troçar de todas as nossas “gafes” e erros passados — aquela vez em que demos os pêsames ao senhor padre pela morte da esposa, confundindo-o com o sacristão, ou os fomos buscar à escola com um sapato diferente do outro, só para citar dois casos verídicos de que com certeza te lembras e que, apesar de tudo, são os mais divertidos que me vêm à memória.
O objectivo destas “correcções fraternas” é, obviamente, exactamente o mesmo que os pais alegam para o esforço educativo que dedicam aos seus filhos: impedir que os chateiem e envergonhem. E rirem-se um bocadinho à custa deles. Só que enquanto dizer que um filho nos envergonha dá direito a uns anos de cadeia, já não cai nem o Carmo, nem tão pouco a Trindade, se o foco da acção for “educar” a nossa mãe.
Pronto, está feita a birra. Espero a tua resposta para a partilhar com todas as outras mães que se juntam a mim neste verdadeiro abaixo-assinado.
Querida Mãe,
Ouch! Constato que ainda vamos a dia 5 de Janeiro e já se evaporou o suposto anseio universal de 2021: “Passar mais tempo em família.” Está a pensar anunciar um novo confinamento profiláctico para descansar de nós?
Há muito que se diga sobre a sua carta… Vou ver se consigo dizer-lhe o que penso, sem deitar mais achas nessa birra! Vamos lá por pontos, que é mais seguro:
1. Não sei bem que livros de parentalidade tem lido porque mesmo com algumas novas “modas” a grande maioria continua a centrar-se na “má educação dos filhos”. E a defender que perante uma opinião contrária da criança e do adolescente, o melhor é mesmo é “encurtar as rédeas”, e deixar claro “quem manda aqui”. Antes fossem como a mãe os imagina.
2. Percebo o seu ponto! E confesso que fiz há precisamente três anos esse mea culpa. Quando estávamos a brincar consigo, mas a mãe se enfureceu e disse um “Já chega!”, muito sentido. Sim, é verdade, muitas vezes criticamos ou pegamos nas vulnerabilidades dos nossos pais e, geralmente em bando com os nossos irmãos, troçamos delas, ou criticamo-las sem pensar duas vezes. A verdade é que só quando me imaginei na mesma situação, alvo dos comentários dos meus filhos, é que me ‘caiu a ficha’. E porquê?
Cheguei a conclusão que é uma “cegueira de proximidade”. A nossa relação com os nossos pais é tão próxima, tão natural e tão incondicional, e crescemos tão habituados a “rebelar-nos” contra eles, sem medo de rupturas graves, que prosseguimos embalados (lá está, sem pensar duas vezes), mesmo quando a nossa idade e sabedoria já não o justifica. Suspeito que faz parte do processo de desenvolvimento desta relação que começa tão intensa, tão simbiótica, mas que obrigatoriamente ao longo dos anos tem de ir mudando. De repente, vamos ver os nossos pais como pessoas (!), como adultos iguais aos outros… Sem que nunca seja exactamente assim, porque quando a febre subir ou as lágrimas teimarem em cair vamos continuar a desejar com todo o nosso ser que sejam apenas nossos pais, e que a única razão da sua existência seja tomar conta de nós.
3. Por outro lado (e isto é o que se chama dar uma no cravo e outra na ferradura) tenho dois argumentos em defesa dos filhos:
a) Ainda que possamos embarcar nessas críticas, quantas vezes tivemos que vos aturar a transformar uma história nossa na graça principal de um jantar? Ou ouvir-vos a relatar os nossos disparates ou humilhações às vossas amigas?
b) A mãe sempre me disse que se mais do que uma pessoa nos “acusa” de alguma coisa, é melhor reflectir se não têm alguma razão. Já está arrependida de não ter tido só um filho?
Mas agora a sério, em nome dos filhos, desculpem-nos esses momentos, e já agora, I love you!
No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.