Ex-chefes do Pentágono alertam contra eventual apoio de militares a Trump
Num aviso inédito e revelador das actuais ameaças à democracia nos EUA, antigos secretários da Defesa, incluindo os republicanos Dick Cheney e Donald Rumsfeld, dizem que o país pode estar a caminho de “um território perigoso”.
O receio de que o Presidente dos EUA, Donald Trump, declare a lei marcial e use o Exército num derradeiro esforço para se manter na Casa Branca levou dez antigos secretários da Defesa a recordarem aos líderes militares norte-americanos de que a sua obrigação é proteger o país, “e não um indivíduo ou partido”.
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O receio de que o Presidente dos EUA, Donald Trump, declare a lei marcial e use o Exército num derradeiro esforço para se manter na Casa Branca levou dez antigos secretários da Defesa a recordarem aos líderes militares norte-americanos de que a sua obrigação é proteger o país, “e não um indivíduo ou partido”.
Num artigo de opinião publicado no jornal The Washington Post, todos os antigos responsáveis pela Defesa dos EUA ainda vivos, incluindo os republicanos Donald Rumsfeld e Dick Cheney, sublinham que a eleição presidencial de 3 de Novembro “já aconteceu”.
“Foram feitas recontagens e auditorias. Houve contestações legítimas que foram tratadas nos tribunais. Os governadores certificaram os resultados. E o Colégio Eleitoral votou”, dizem os antigos responsáveis, para sublinharem que “o tempo para se questionar os resultados já passou”.
Numa notícia publicada a 19 de Dezembro, o jornal The New York Times disse que o Presidente Trump pediu a opinião dos seus conselheiros sobre a possibilidade de declarar a lei marcial no país, com o objectivo de convocar uma nova eleição presidencial. Um dia depois, Trump desmentiu a notícia do jornal numa curta mensagem publicada no Twitter: “Lei marcial = notícias falsas. É só mais um exemplo de mau jornalismo propositado.”
Chuck Hagel, um antigo senador republicano que foi secretário da Defesa na Administração Obama, entre 2013 e 2015, disse ao The Washington Post que teve dúvidas sobre a publicação do artigo, questionando-se se não seria “uma reacção exagerada a um problema potencial”. No final, Hagel decidiu juntar o seu nome ao alerta, para “recordar os funcionários do Departamento de Defesa da sua responsabilidade em contribuir para uma transição pacífica de poder”.
Para além dos republicanos Rumsfeld, Cheney e Hagel, a lista de secretários da Defesa inclui mais quatro republicanos, entre os quais Jim Mattis e Mark Esper, ambos nomeados pelo Presidente Trump.
Mattis e Esper saíram da Casa Branca em choque com Trump – o primeiro saiu no final de 2018, após o anúncio da retirada das tropas norte-americanas da Síria; e o segundo saiu em Novembro passado, depois de um Verão em que se opôs ao envio de militares para as ruas durante os protestos anti-racismo nos EUA.
Os antigos secretários da Defesa dirigem-se também ao actual responsável, Christopher C. Miller, dizendo-lhe que está obrigado, “por juramento, pela lei e pelos precedentes”, a “facilitar a entrada em funções da próxima Administração”.
“Quaisquer tentativas para envolver as Forças Armadas na resolução de disputas eleitorais levar-nos-iam para um terreno perigoso, ilegal e inconstitucional”, declaram os antigos responsáveis pela Defesa dos EUA. “Civis e militares que ordenem ou que executem esse tipo de medidas seriam responsabilizados pelas graves consequências das suas acções para a nossa república, incluindo eventuais penalizações criminais.”
Confusão no Congresso
O alerta dos ex-chefes do Pentágono surgiu um dia depois de o The Washington Post ter revelado uma gravação áudio de uma conversa telefónica entre Trump e o secretário de estado da Georgia, o republicano Brad Raffensperger. Durante mais de uma hora, o Presidente dos EUA pressiona o responsável pela certificação das eleições no estado da Georgia a “encontrar” votos suficientes para tirar a vitória a Joe Biden.
O esforço de Trump e dos seus aliados para tirarem a vitória nas urnas a Biden vai prosseguir na quarta-feira, durante a cerimónia de contagem dos votos do Colégio Eleitoral, no Congresso dos EUA.
Ao longo de uma sessão que foi pouco mais do que uma formalidade nos últimos 132 anos, um grupo de senadores e congressistas republicanos, liderado pelo senador Ted Cruz, vai contestar as vitórias de Joe Biden em estados como a Georgia, Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Arizona e Nevada.
O plano está condenado ao fracasso, porque qualquer contestação tem de ser aprovada por maiorias nas duas câmaras do Congresso, e o Partido Democrata está em maioria na Câmara dos Representantes.
Mas a perturbação do último passo oficial antes da tomada de posse de Biden, e 20 de Janeiro, é mais uma oportunidade para que o Presidente Trump cimente a sua posição de líder indiscutível junto de uma facção importante do Partido Republicano. E para que figuras como o senador Ted Cruz se posicionem, junto da mesma facção radical, como possíveis sucessores de Trump na eleição presidencial de 2024.