“Eu não gosto desta Constituição”, diz Ventura. João Ferreira jura defendê-la
Frente-a-frente entre os dois candidatos presidenciais foi marcado pelos decibéis, pela agressividade e pelas interrupções.
Foi um frente-a-frente, mas não foi bem um debate, porque André Ventura, quando não estava a responder às questões que lhe eram dirigidas, nunca parou de interpelar e comentar as respostas de João Ferreira. Nas pausas entre os decibéis elevados percebeu-se que o candidato à Presidência da República apoiado pelo Partido Comunista Português e pelo Partido Ecologista Os Verdes se propõe fazer cumprir a Constituição, enquanto o candidato que lidera o Chega é contra o texto fundamental: “Permite que se pague habitação a quem não quer pagar impostos (…). Eu não gosto desta Constituição”.
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Foi um frente-a-frente, mas não foi bem um debate, porque André Ventura, quando não estava a responder às questões que lhe eram dirigidas, nunca parou de interpelar e comentar as respostas de João Ferreira. Nas pausas entre os decibéis elevados percebeu-se que o candidato à Presidência da República apoiado pelo Partido Comunista Português e pelo Partido Ecologista Os Verdes se propõe fazer cumprir a Constituição, enquanto o candidato que lidera o Chega é contra o texto fundamental: “Permite que se pague habitação a quem não quer pagar impostos (…). Eu não gosto desta Constituição”.
Logo à primeira pergunta do debate na TVI24, sobre se um Presidente devia intervir sobre o caso das informações erradas enviadas pelo Governo à União Europeia sobre o currículo do procurador João Guerra, Ventura afirmou que a ministra da Justiça e o ministro da Administração Interna só estavam em funções “por culpa de partidos como o PCP”, e que, “com um Presidente a sério”, Francisca Van Dunem já não era ministra.
O eurodeputado João Ferreira, para justificar a posição do PCP, acabou por afirmar que nada obrigava o Governo a escolher a magistrada vencedora do concurso europeu e que o procurador indicado tinha sido o proposto pelo Conselho Superior de Magistratura. Concedeu que, “se foi fornecida informação que não corresponde à verdade, será necessário esclarecer isso”, mas optou por atacar apenas Ventura: “Se usasse para si próprio o critério que usa para os outros – ‘mentiu, vai-se embora’ – já não estava aqui”.
Ventura voltou a colar o PCP ao Governo, lembrando o voto favorável no Orçamento do Estado para 2021, tratando aqui e ali João Ferreira por tu, e o candidato comunista salientou as propostas que o PCP conseguiu inscrever no OE na área da saúde, acusando o líder do Chega, que tratou sempre por você, de querer entregar o SNS a privados.
Nesta altura, com ambos a falar ao mesmo tempo, a moderadora assumia que o debate estava em “roda livre” e tentou fazê-lo reentrar nos eixos com o tema da eutanásia. Ventura assumiu-se contra, mas não disse se promulgaria essa lei – afirmou, sim, que entendia que se devia fazer um referendo sobre a matéria (embora o Presidente não seja competente para o convocar). João Ferreira reiterou que respeitaria a vontade da Assembleia.
A revisão constitucional defendida por Ventura, nomeadamente para reduzir o número de deputados a uma centena (a Constituição prevê entre 180 e 230) levou o líder do Chega a lembrar que o PSD também é a favor da redução do número de parlamentares e João Ferreira a opor que, com cem deputados, não se garantiria uma representação plural. Ventura acusou o PCP de também aqui se opor a um referendo e Ferreira contra-atacou, lembrando que o líder do Chega prometeu exercer o mandato de deputado em exclusividade e manteve, afinal, três salários, incluindo o de uma consultora que “ajuda quem quer pôr dinheiro ao fresco”.
João Ferreira também acusou o adversário de “não meter os pés” na Assembleia e André Ventura justificou-se com os compromissos decorrentes do facto de ser líder do Chega. “Ser líder de um partido ainda vai demorar para si”, comentou.
No tema da dissolução da Assembleia, João Ferreira disse que o Presidente jura cumprir e fazer cumprir a Constituição, criticou Marcelo Rebelo de Sousa de falhar, por omissão, a esse juramento, mas assumiu que não viu neste mandato motivo para se dissolver o Parlamento. “Não creio que isso tivesse acontecido”.
André Ventura acusou Marcelo Rebelo de Sousa de ser complacente para com o Governo: “Quando nos fogos permitiu que se chegasse aonde se chegou, e o Presidente a dizer que o ministro esteve muito bem…” – disse, omitindo que essa afirmação do chefe de Estado foi sobre o ministro actual e não sobre a titular da pasta em 2017. Sobre Tancos, Ventura comentou que se viram “ministros que era muito inocentes e que agora estão a ser julgados”. Criticou ainda Marcelo por não ter sido mais exigente com o Governo quanto à pandemia: “Sabíamos que vinha aí a 3.ª ou 2.ª vaga e o Governo nada fez. E o Presidente ficou impávido e sereno!”
Em vários momentos do debate, André Ventura desafiou João Ferreira a dizer o que pensava do regime da Coreia do Norte, e afirmou que o site do candidato comunista se referia a Lenine como referência inspiradora, bem como os regimes de Cuba, Venezuela e Vietname. “Ataca-me com Marine Le Pen e Salvini quando defende Nicolás Maduro. Gostaria de passear com Kim Jong-Un”.
João Ferreira desafiou Ventura a mostrar onde é que isso estava, “para não passar por mentiroso”. O candidato do Chega também disse, noutro momento, que aquelas referências estavam afinal no site do PCP e, mais tarde, que teriam sido “apagadas”. João Ferreira tinha acusado Ventura de se passear com a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, quando apoiantes dessa força política francesa haviam pintado palavras de ordem como “morte aos portugueses”. João Ferreira nunca qualificou o regime da Coreia do Norte, preferindo sublinhar que a Constituição determina o respeito pela soberania dos povos.
O candidato apoiado por PCP e PEV acusou Ventura de ter votado contra propostas que visavam o combate ao crime económico e de ser apoiado por “gente envolvida no terrorismo bombista”. Ventura devolveu a acusação, afirmando que o PCP é que convidou “terroristas das FARC” para a Festa do Avante! – que “não paga impostos” – e vincou que o Chega votou a favor da proposta que retirava apoios a empresas com sede em offshores e tentou que a comissão de inquérito ao Novo Banco investigasse o financiamento de partidos – “o PCP votou contra”.
O candidato comunista também criticou Ventura por ter votado contra, e por se ter abstido e por, finalmente, ter votado a favor da mesma proposta – o travão às transferências para o Novo Banco: “Quem em 24 horas assume as três posições possíveis sobre o mesmo assunto... está tudo dito sobre a sua credibilidade”.