A grande oportunidade da presidência portuguesa da UE
A nova vida das relações transatlânticas depois da crise existencial dos anos de Donald Trump pode ser o momento que regista para a história a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.
A agenda da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia assume uma série de desafios importantes para o futuro da Europa. Enquadrada pelo programa do trio Alemanha-Portugal-Eslovénia, ela irá desempenhar um papel crucial em vários domínios: na vacinação maciça da população; no relançamento económico, social e político do contexto pós-pandemia; na dupla transição energética e digital; no desenvolvimento do Pilar Social Europeu; na futura relação com o Reino Unido no pós-"Brexit"; nas relações da UE com a Ásia, em especial com a Índia, e sempre sem esquecer África.
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A agenda da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia assume uma série de desafios importantes para o futuro da Europa. Enquadrada pelo programa do trio Alemanha-Portugal-Eslovénia, ela irá desempenhar um papel crucial em vários domínios: na vacinação maciça da população; no relançamento económico, social e político do contexto pós-pandemia; na dupla transição energética e digital; no desenvolvimento do Pilar Social Europeu; na futura relação com o Reino Unido no pós-"Brexit"; nas relações da UE com a Ásia, em especial com a Índia, e sempre sem esquecer África.
Mas quis o destino que a presidência portuguesa coincidisse no tempo com a tomada de posse da nova Administração Biden. Trata-se de uma grande oportunidade para as relações transatlânticas, que pode ser mesmo irrepetível. Os tempos em que a Europa era seguramente a prioridade estratégica dos Estados Unidos já lá vão e ninguém sabe o que acontecerá depois do fim do seu mandato. Há, assim, quatro anos para criar laços duradouros entre os dois lados do Atlântico, seja no campo político, seja económico, seja tecnológico, seja ambiental, seja na segurança e defesa.
Comecemos pelos últimos. A administração Trump teve pelo menos o mérito de demonstrar que o compromisso dos norte-americanos com a segurança da Europa não é um dado adquirido e que se queremos que a NATO viva muito tempo temos de fazer pela vida. Aqui, é particularmente relevante a questão da partilha dos custos com a Defesa Comum, tendo os Estados europeus de honrar o compromisso assumido em 2014 de gastar 2% do seu PIB em defesa. Indo mais longe, a UE vai ter finalmente de decidir se quer ser um Hard Power, avançando na defesa europeia, entendida como complemento à Aliança Atlântica. Uma Europa forte militarmente pode ser uma parceira essencial da América na segurança cooperativa global institucionalizada na NATO.
No plano económico, um veículo muito importante é o relançamento das negociações de um acordo de comércio livre entre a UE e os EUA nos termos ambiciosos da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento. O TTIP não era apenas um grande acordo comercial. Ele era um momento geopolítico essencial para o futuro da ordem internacional liberal. Em última análise, o TTIP é uma forma institucionalizada de utilização da preponderância económica e política do Ocidente para manter as regras da ordem internacional, muito em especial os dois alicerces da sua concepção ocidental, como sejam, a economia liberal de mercado e a democracia política.
No capítulo da transição energética e digital, os Estados Unidos podem revelar-se um parceiro fundamental, através da partilha e desenvolvimento conjunto de soluções tecnológicas, económicas e políticas, para a concretização deste objetivo. Joe Biden já afirmou querer colocar a América de novo na liderança do combate às alterações climáticas com o anunciado regresso aos Acordos de Paris no primeiro dia da sua presidência. Nos corredores de Bruxelas e de Washington fala-se cada vez mais de uma “Aliança Atlântica Digital”, uma parceria entre a UE e os EUA vista como fundamental para garantir a segurança das comunicações e transações digitais, especialmente no que diz respeito às infraestruturas de comunicação 5G.
Finalmente, a relação futura da UE com o Reino Unido, especialmente importante para Portugal, beneficiará muito de um enquadramento no âmbito mais vasto de uma parceria transatlântica robusta. Biden já foi relevante no acordo do “Brexit” ao deixar claro que ele era condição para um futuro acordo de comércio RU/EUA. No contexto fundamental da cooperação entre a União Europeia e os britânicos em matéria de segurança e defesa, um compromisso renovado da Administração Biden com a NATO pode ser a chave fundamental para estruturar uma relação muito próxima entre os dois lados do Canal da Mancha.
A nova vida das relações transatlânticas depois da crise existencial dos anos de Donald Trump pode, assim, ser o momento que regista para a história a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia. É uma grande oportunidade que temos de saber aproveitar, por exemplo, usando o convite já feito para Joe Biden vir à Europa para organizar uma cimeira UE/EUA em território português, podendo bem ser nos Açores, a meio caminho entre os dois lados do Atlântico. Ou trabalhando nos canais diplomáticos próprios para que a Cimeira das Democracias anunciada por Biden ocorra durante o primeiro semestre do ano.
Num extremo, Portugal pode dar um contributo para o início da criação do que Carlos Gaspar chamou de nova ordem internacional própria das democracias liberais, que coexista internacionalmente com outras ordens, como a chinesa e a russa. Desde que, nessa ordem, a UE seja um poder entre iguais, não subordinada a nenhum outro, nem inimiga natural de ninguém.
Em 1992, a presidência portuguesa ficou gravada na história por Maastricht e a criação da União Europeia. Em 2000, pela Estratégia de Lisboa. Em 2007, pelo Tratado de Lisboa. Em 2021, poderá ficar para a posteridade como o momento da refundação da relação transatlântica.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico