Governo invocou argumentos falsos para justificar escolha de magistrado para procurador europeu
Numa carta enviada ao Conselho Europeu, o Governo português invoca três argumentos falsos para justificar a escolha do magistrado José Guerra.
O Governo português invocou três argumentos falsos para justificar a escolha do magistrado José Guerra para procurador europeu, revela uma carta confidencial enviada pelo Executivo para o Conselho Europeu a 29 de Novembro de 2019. A notícia foi avançada esta quarta-feira pela RTP e pela SIC.
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O Governo português invocou três argumentos falsos para justificar a escolha do magistrado José Guerra para procurador europeu, revela uma carta confidencial enviada pelo Executivo para o Conselho Europeu a 29 de Novembro de 2019. A notícia foi avançada esta quarta-feira pela RTP e pela SIC.
O documento em questão foi enviado pelo Governo português, através da Representação Permanente de Portugal junto da UE, para justificar a nomeação de José Guerra, depois de o júri internacional ter escolhido a magistrada Ana Carla Almeida — uma decisão que o Governo não aceitou.
Na carta, o Governo utiliza três argumentos incorrectos para justificar a escolha. O primeiro é que José Guerra é procurador-geral adjunto, quando o seu currículo mostra que é apenas procurador da República. O Executivo refere ainda que José Guerra liderou a investigação ao caso UGT, “o mais complexo processo criminal ocorrido em território português respeitante a ilícitos criminais referentes à utilização de verbas do Fundo Social Europeu, envolvendo 36 arguidos”. “A sua participação, numa posição de liderança investigatória e acusatória, testemunha a sua capacidade para lidar com processos de elevada complexidade”, refere a carta. Porém, o magistrado desempenhou apenas funções como procurador do julgamento.
Por último, o documento destaca que José Guerra dirigiu a 9.ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, “o maior departamento nacional no âmbito da criminalidade económico-financeira”. Em resposta à RTP, a Procuradoria-Geral da República (PGR) desmente a afirmação: “Informa-se que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) é a maior estrutura do Ministério Público ao nível da investigação do crime económico, de âmbito nacional, sendo que, a nível regional, a 9.ª secção do DIAP de Lisboa é a secção de maior volume de serviço dos DIAP’s regionais.”
A PGR enviou ainda à RTP o currículo de José Guerra, que confirma que os argumentos invocados são falsos. O próprio magistrado José Guerra confirmou à RTP e à SIC que as informações estão incorrectas, mas diz entender que “são apenas lapsos que em nada alteram as suas qualificações para exercer o cargo”. Já o Ministério da Justiça escusou-se a responder às questões das estações televisivas sobre o documento, referindo que “os procedimentos que correram perante o Conselho Europeu relativamente à nomeação do procurador europeu são de natureza reservada”. “O Ministério da Justiça reitera que o senhor procurador europeu nacional, dr. José Guerra, detém as competências e o perfil que melhor se adequam ao cargo”, acrescenta.
Portugal foi um dos três países europeus onde os procuradores escolhidos não foram aqueles que foram recomendados pelo júri independente. Ao PÚBLICO, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), António Ventinhas, destaca que, do seu ponto de vista, “a verdadeira questão é a nomeação depender do Governo nacional”.
“Para mim, a principal questão é o facto de o Governo português ter poderes para indicar a pessoa e poder passar por cima da decisão do júri do concurso internacional, que foi o que fez”, refere. Neste sentido, António Ventinhas questiona “para que serve o concurso do júri” e salienta ainda o facto de “o próprio Executivo poder nomear pessoas que entende serem da sua confiança para investigação criminal, o que levanta outras questões”. “Acho que o Dr. José Guerra é um magistrado competente, mas a questão é o processo de escolha”, conclui.
O presidente do PSD reagiu no Twitter, perguntando se a ministra da Justiça terá, de facto, responsabilidade no sucedido. “A ser verdade é gravíssimo. Tem de ser esclarecido”, acrescentou.
Nuno Melo, eurodeputado eleito pelo CDS-PP, revelou também esta quarta-feira que questionou a Comissão Europeia e o Conselho da União Europeia sobre quais foram os critérios para a nomeação do procurador europeu. “As notícias sobre informações falsas do governo para justificar a escolha do procurador europeu são impensáveis num estado de Direito e demasiado graves para que não tenham consequências. Por isso pedi a intervenção do Conselho e da Comissão Europeia”, afirmou numa publicação no Facebook.